Um levantamento feito pelo professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFSC-USP), Adriano D. Andricopulo, mapeou 153 fármacos que estão sendo testados em estudos com pacientes que contraíram a covid-19. As pesquisas são divididas em fases pré-clínicas, com testes em simulações computacionais e/ou animais; e clínicas, quando os procedimentos passam a envolver seres humanos.
Dados atualizados pela plataforma de visualização de saúde Bio Render contabilizam 397 drogas em 313 ensaios clínicos em andamento no mundo. Ambos os levantamentos consideram estudos cadastrados nas bases de institutos dos Estados Unidos, da União Europeia e da China, além de instituições e bases globais como a da Organização Mundial da Saúde. No momento, entretanto, ainda não há uma cura ou tratamento aprovado para a Covid-19.
As etapas de desenvolvimento de um fármaco
1 - Estudo patológico
No caso de viroses como a covid-19, o primeiro passo seguido pelos cientistas é a investigação da cadeia de enfermidades provocadas pelo vírus e por quais mecanismos ele se manifesta nos indivíduos. Um vez identificados os alvos do tratamento, é possível iniciar a fase de testes pré-clínicos.
2 - Testes laboratoriais (fase pré-clínica)
As pesquisas pré-clínicas preveem a coleta de uma série de informações a respeito de uma nova droga, como capacidade de absorção e atuação no metabolismo, taxa de toxicidade e outros. Normalmente, os compostos são testados em células (in vitro), depois em animais.
Nessa fase, os cientistas definem o conjunto de moléculas utilizadas para produzir os fármacos. “Hoje já temos empresas trabalhando com modelos de inteligência artificial que nos ajudam a desenhar essas moléculas”, explica o diretor médico-científico da EMS, Roberto Amazonas. Elas podem advir de fontes naturais como plantas, animais e fungos; ou fontes sintéticas. No Brasil, uma proposta recém-aprovada pelo edital Inova da Fiocruz - programa que incentiva a pesquisa sobre o novo coronavírus - propõe o uso de polipeptídeos de plantas como inibidores da principal enzima do Sars-CoV-2, agente viral da covid-19.
3 - Fase clínica
a - Segurança
Na primeira fase dos estudos clínicos algumas dezenas de indivíduos saudáveis são convocados para atestar a segurança do terapêutico. Geralmente, experimentam-se vias de administração e doses diferentes. Também são realizados testes iniciais de segurança, nos quais os cientistas observam se os fármacos geram efeitos colaterais no organismo ao interagirem com outras drogas.
b - Eficácia
Na segunda fase os cientistas trabalham com centenas de voluntários infectados para estudar a eficácia do fármaco. É o período onde são observadas as quantidades mais eficazes da dosagem.
c - Efetividade
Na última fase clínica se atesta a efetividade da droga. Os fármacos são administrados na população-alvo, em milhares de participantes, para que os cientistas observem como a solução se comporta em ambientes não controlados e se traz resultados concretos.
Os processos para vacinas e fármacos seguem as mesmas etapas. Em doenças raras, no entanto, a quantidade de candidatos na terceira fase é menor e as condições de segurança são flexibilizadas. “A Brace Pharma, nosso braço nos EUA, trata doenças raras. Os estudos desenvolvidos são com pouquíssimos pacientes. Muitas vezes as terapias para câncer, por exemplo, são muito tóxicas, mas se a gente não tratar o paciente morre. Nesse sentido, os princípios mudam em relação às vacinas”, explica Roberto Amazonas.
4 - Regulação
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é a responsável pela fiscalização e regulamentação dos estudos cujo objetivo é o registro de um medicamento no Brasil. Nesse caso, a premissa da segurança volta a ser fator-chave para a aprovação do candidato a remédio. Pesquisas acadêmicas não precisam da aprovação da Anvisa. Além disso, a pesquisa com o objetivo comercial deve receber o aval da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).
O período entre os ensaios para a criação de um medicamento ou vacina até a sua circulação dura de dez a doze anos. A vacina com produção mais rápida da história foi finalizada em quatro. Denominada cepa Jeryl Lynn, a solução contra a caxumba começou a ser produzida em 1963 pelo médico norte-americano Maurice Hilleman e é utilizada até hoje.
Como acelerar o processo?
Em cenários extraordinários, como o da pandemia de covid-19, os esforços de cooperação entre centros de pesquisas no mundo todo, a divulgação científica, a priorização de pesquisas pelas agências reguladoras e o alto investimento prometem quebrar recordes de resultados.
Em abril, a EMS iniciou um estudo clínico com o sulfato de hidroxicloroquina (400 mg) em pacientes de covid-19 com sintomas leves e moderados. O estudo utilizou uma metodologia de reposicionamento de fármacos, pois a hidroxicloroquina já é utilizada para o tratamento de afecções reumáticas e dermatológicas, da malária e outras doenças.
Para acelerar as testagens o laboratório trabalhou em conjunto com a Anvisa e uma coalizão de centros e hospitais brasileiros formada pelo Israelita Albert Einstein, Sírio Libanês, HCOR, Oswaldo Cruz, Moinhos de Vento, Beneficência Portuguesa, Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet) e BCRI. “A gente tinha reuniões semanais com a Anvisa para discutir os novos conceitos que estavam sendo publicados e de que forma impactavam nossos estudos. Compartilhamos os resultados em tempo real”, conta Roberto Amazonas.
O estudo foi concluído em julho e publicado no New England Journal of Medicine. Os resultados atestaram que o medicamento não promoveu melhoria nos quadros clínicos.
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