OPORTUNIDADES

Projetos buscam dar acesso e visibilidade a transexuais no mercado de trabalho

A plataforma Transempregos fechou o ano passado com mais de 21,4 mil usuários transgêneros inscritos, quase 1,5 mil empresas parceiras e 797 pessoas empregadas através da iniciativa

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Estadão Conteúdo

Publicado em 29/01/2022 às 11:32
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Líder mundial no assassinato de travestis e transexuais pelo 13º ano consecutivo, o Brasil registrou 140 mortes dessa população ao longo de 2021, segundo o dossiê divulgado pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) na última sexta-feira, 28, véspera do Dia da Visibilidade Trans. No centro desses crimes estão as profissionais do sexo, que correspondem a 78% das vítimas fatais. Mas uma série de novos projetos sociais, formados por pessoas da própria comunidade, busca aumentar o acesso, a presença e a visibilidade dessa população no mercado formal de trabalho.

Segundo uma estimativa da própria Antra, cerca de 90% das travestis e transexuais brasileiras são obrigadas a se prostituírem por não conseguirem uma vaga formal. Lançado em 2013, o Transempregos foi um projeto pioneiro na tentativa de mudar esse cenário, com o objetivo de conectar empresas a pessoas trans à margem do mercado. Menos de uma década depois, a plataforma fechou o ano passado com mais de 21,4 mil usuários transgêneros inscritos, quase 1,5 mil empresas parceiras e 797 pessoas empregadas através da iniciativa.

"Quando começamos, achávamos que não veríamos ninguém contratado Mas foi crescendo e estou feliz com esse sucesso, porque o meio corporativo vem se comprometendo em dar mais oportunidades [à população trans]", comemora a advogada e co-fundadora do Transempregos, Márcia Rocha, de 57 anos.

Apesar de ter profissionais cadastrados em todos os Estados brasileiros, Márcia observa que, por ora, a maioria das oportunidades vem de São Paulo. Mas o cenário tem mudado, principalmente com o aumento do trabalho remoto provocado pela pandemia. Para impulsionar essa transformação, o projeto tem investido também na capacitação de pessoas trans, com cursos grátis de idiomas, apresentação, autogestão e bolsas de mestrado

Com a mesma sede de mudar os bastidores e cargos de liderança no mundo corporativo, a cantora e agora empresária Raquel Virgínia, de 33 anos, lançou no ano passado a Nhaí, que já atuou em 15 empresas dos mais diferentes ramos, prestando consultoria e impulsionando a diversidade nesses espaços.

"Sempre estive na frente das câmeras, mas quando olhava os bastidores não via pessoas trans nem negras. Quis empreender para mudar esse ecossistema e contribuir para o mercado, sem necessariamente ser com 'textão', mas com uma atitude proativa de construção", explica.

EVENTO

Na sexta, Raquel promoveu o Contaí, um evento para conectar empreendedores e investidores, fomentando ideias e projetos. "O maior medo das empresas é serem pressionadas por não terem diversidade. Elas pensam que para ter só uma é melhor não ter nenhuma, porque pode abrir um repertório que elas não têm condições de sustentar", avalia. "Mas é preciso ter coragem de seguir em frente, senão esse cenário não vai mudar nunca."

Como mostrou o Estadão, sete em cada dez pessoas LGBTI+ têm medo de se declararem como tal durante a vida escolar por causa do bullying. No caso de travestis e transexuais, o desrespeito à identidade de gênero reflete no acesso ao ensino superior - um levantamento exclusivo mostrou que essa população correspondia a apenas 0,1% das matrículas em universidades federais do País.

"Não tem como pensarmos no enfrentamento da transfobia sem ações que garantam o acesso, permanência e sucesso de pessoas trans no ambiente escolar e acadêmico", aponta Bruna Benevides, articuladora política da Antra. "Precisamos pensar na formação e qualificação técnica dessas pessoas, além de incentivo ao empreendedorismo e, transversalmente, políticas que proporcionem segurança e renda."

Raquel conta que, nos anos em que esteve à frente da banda As Baías, aprendeu a estabelecer estratégias comerciais, algo que pretende passar à frente com a Nhaí. "Tem muita gente marginalizada no mercado, que estudaram e são esforçadas, basta procurar. É um capital humano que vem sendo perdido porque estamos presos em estigmas sociais."

Márcia ainda explica que a mudança tem que acontecer na ponta das empresas, principalmente nos departamentos de recursos humanos, que selecionam candidatos. "Nossa maior finalidade é mudar a forma como a sociedade nos vê. Porque enquanto formos vistas como pessoas ‘problemáticas’, para dizer o mínimo, o preconceito se perpetua. Precisamos mostrar que somos seres humanos, cidadãos capazes de produzir e gerar riquezas, amar, casar, ter filhos e viver como qualquer outro brasileiro."

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