Declaração final do G20 exalta combate à fome, taxação de super-ricos e mudanças na governança global
Ao todo, o texto aborda cinco tópicos, como situação política e econômica internacional; inclusão social, fome e pobreza e desenvolvimento sustentável
O documento final da Cúpula de Líderes do G20 foi divulgado no início da noite desta segunda-feira (18), primeiro de dia de reuniões de chefes de Estado e de governo no Rio de Janeiro. A declaração foi sendo construída ao longo do ano, sendo construída em consenso até a redação final, pronta ainda no domingo.
O comunicado trata de acordos para o combate à fome e à pobreza (com o lançamento oficial da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza); sustentabilidade e enfrentamento às mudanças climáticas; e a reforma da governança global, com mais representatividade de países emergentes em órgãos internacionais – como a Organização das Nações Unidas (ONU). Além disso, o documento pede o fim das guerras da Ucrânia e na Faixa de Gaza e a taxação dos ultrarricos – nomeados como "indivíduos com patrimônio líquido ultra-alto"– e de levantar preocupações com a inteligência artificial.
"Estamos unidos no apoio a um cessar-fogo completo em Gaza [...] e no Líbano, que permita aos cidadãos retornarem com segurança aos seus lares de ambos os lados da Linha Azul", que delimita a fronteira entre o território libanês e Israel, diz trecho do documento.
O G20 também cooperará para que os super-ricos paguem "efetivamente" impostos, de acordo com a declaração final assinada pelos principais líderes mundiais.
"Com total respeito à soberania tributária, nós procuraremos nos envolver cooperativamente para garantir que indivíduos de patrimônio líquido ultra-alto sejam efetivamente tributados", afirma o texto, abordando um dos pontos promovidos pela presidência brasileira do G20.
Os líderes do G20 reunidos nesta segunda-feira (18) na cúpula no Rio de Janeiro não conseguiram avanços significativos para desbloquear as negociações na COP29, que estão estagnadas em torno da questão da financiamento para o combate à mudança climática.
A declaração final também evitou mencionar o compromisso que a comunidade internacional adotou na COP28 de reduzir progressivamente a dependência das energias fósseis.
O G20 alertou que novas tecnologias, como a inteligência artificial (IA), contribuem ''de forma dramática" para a desinformação e o discurso de ódio.
“A digitalização do campo da informação e a evolução acelerada de novas tecnologias, como a IA, impactaram de forma dramática a velocidade, escala e o alcance da desinformação não intencional e intencional, os discursos de ódio e outras formas de danos online”, diz o texto acordado pelo G20.
Os líderes das principais economias do planeta também pediram “transparência” e “responsabilidade” às plataformas digitais, para que se alcancem “ecossistemas de informação saudáveis”. Ao mesmo tempo, reconheceram “o potencial” das tecnologias digitais e plataformas para reduzir as desigualdades e “facilitar a informação dentro e fora das fronteiras geográficas”.
Governança global
Em uma das principais prioridades da presidência brasileira, a declaração reconhece que a reforma da governança global deve decorrer de soluções multilateralmente acordadas. Afirma que as instituições internacionais devem ser reformadas para refletir as realidades políticas, econômicas e sociais do século XXI e se tornarem mais representativas, efetivas e transparentes.
“Nós nos comprometemos a reformar o Conselho de Segurança (da ONU) por meio de uma reforma transformadora que o alinhe às realidades e demandas do século XXI, que o torne mais representativo, inclusivo, eficiente, eficaz, democrático e responsável, e mais transparente para toda a comunidade das Nações Unidas, permitindo uma melhor distribuição de responsabilidades entre todos os membros, ao mesmo tempo que melhora a eficácia e a transparência dos seus métodos de trabalho. Reivindicamos uma composição ampliada do Conselho de Segurança que melhore a representação das regiões e grupos sub-representados e não representados, como a África, Ásia-Pacífico e América Latina e Caribe”, indica o documento.
ACORDO DE PARIS
A declaração final da Cúpula dos Líderes do G20 reitera o compromisso dos países do grupo com as principais diretrizes do Acordo de Paris. Houve acordo com a meta de limitar o aumento global da temperatura média global para bem abaixo de 2ºC acima dos níveis pré-industriais. Também foi reconhecido que os impactos da mudança do clima serão significativamente menores com uma elevação limitada a 1,5ºC.
O Acordo de Paris foi assinado em 2015 pelos 193 Estados-Membros da Organização das Nações Unidas (ONU). Ele fixou a Agenda 2030, que abrange 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Cada um deles se desdobra em um conjunto de metas.
A declaração final da Cúpula dos Líderes do G20 lembra que, desde 2015, houve progresso efetivo em apenas 17% das metas dos ODS e lista uma série de desafios.
O TEXTO FINAL
Ao todo, o texto aborda cinco tópicos: situação política e econômica internacional; inclusão social e luta contra a fome e a pobreza; desenvolvimento sustentável e ações climáticas; reforma das instituições globais de governança; e inclusão e efetividade no G20.
Havia dúvidas sobre a adesão da Argentina ao texto final. O governo liderado por Javier Milei chegou a manifestar algumas divergências. O líder da Argentina já fez críticas públicas ao Acordo de Paris. Mesmo assim, o país assinou a declaração. O país assinou o documento, ainda que tenha divulgado um comunicado registrando ressalvas e "desvinculando-se parcialmente de todo o conteúdo da Agenda 2030".
Além de reiterar diretrizes do Acordo de Paris, o trecho da declaração dedicado ao desenvolvimento sustentável e ações climáticas estabelece compromisso com o multilateralismo e fixa a urgência de iniciativas efetivas para enfrentar as crises e os desafios decorrentes da mudança do clima, perda de biodiversidade, desertificação, degradação dos oceanos e do solo, secas e poluição.
Foi enfatizada a meta para triplicar a capacidade de energia renovável globalmente e duplicar a taxa média anual global de melhorias na eficiência energética. O texto incluiu também o compromisso com a conclusão, até o final deste ano, das negociações de um instrumento internacional que estabeleça o combate à poluição plástica.
Os avanços envolvendo a Iniciativa do G20 sobre Bioeconomia (GIB) foram destacados: em setembro, representantes dos países do grupo lançaram os 10 Princípios de Alto Nível sobre Bioeconomia. "Estamos determinados a liderar ações ambiciosas, oportunas e estruturais em nossas economias nacionais e no sistema financeiro internacional com o objetivo de acelerar e ampliar a ação climática, em sinergia com as prioridades de desenvolvimento sustentável e os esforços para erradicar a pobreza e a fome", acrescenta o texto.
Financiamento
A declaração também estabelece a necessidade de uma maior colaboração e apoio internacional com o objetivo de ampliar o financiamento e investimento climático público e privado. O texto destaca a importância de otimizar as operações dos fundos verdes e defende mecanismos inovadores como a proposta do Fundo Florestas Tropicais Para Sempre (TFFF). Manifesta ainda apoio para que a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2024 (COP-29), em andamento em Baku (Azerbaijão), avance nas negociações sobre financiamento ambiental.
"Os países em desenvolvimento precisam ser apoiados em suas transições para emissões de baixo carbono, nós trabalharemos para facilitar o financiamento de baixo custo para esses países. Nós reconhecemos o importante papel do planejamento energético doméstico, do fortalecimento de capacidades, das estratégias de políticas e marcos legais, bem como da cooperação entre diferentes níveis de governo, na criação de ambientes facilitadores para atrair financiamento para as transições energéticas", diz o texto.
Desde o início do ano, uma das grandes discussões nas atividades da agenda construída pelo Brasil para sua presidência no G20 foi a tributação dos super ricos. A proposta tem sido apontada como um caminho para financiar iniciativas sociais e ambientais. A questão esteve em pauta nos debates da trilha de finanças do G20. O Brasil defende que seja pactuada a adoção de um imposto mínimo sobre os super ricos, de forma a evitar uma guerra fiscal entre os países. No entanto, há resistências. Representantes dos Estados Unidos, por exemplo, têm defendido que cabe a cada governo tratar da questão internamente.
Na declaração final da Cúpula dos Líderes, há uma breve menção a essa discussão no tópico sobre inclusão social e luta contra a fome e a pobreza. "Com total respeito à soberania tributária, nós procuraremos nos envolver cooperativamente para garantir que indivíduos de patrimônio líquido ultra-alto sejam efetivamente tributados. A cooperação poderia envolver o intercâmbio de melhores práticas, o incentivo a debates em torno de princípios fiscais e a elaboração de mecanismos antievasão, incluindo a abordagem de práticas fiscais potencialmente".
Foi a primeira vez que o Brasil presidiu o G20 desde 2008, quando foi implantado o atual formato do grupo, composto pelas 19 maiores economias do mundo, bem como a União Europeia e mais recentemente a União Africana. A Cúpula dos Líderes é o ápice do mandato brasileiro. A África do Sul sucederá o Brasil na presidência do grupo.