litoral sul

De frente para o mar, de costas para a lei

Imóveis construídos em área de preservação na Praia de Mamucabinhas são alvo de ação judicial

Claudia Parente
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Claudia Parente
Publicado em 27/03/2014 às 5:47
Foto: Diego Nigro/JC Imagem
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Quem se dispuser a fazer uma caminhada pelo belo pedaço de praia entre os municípios de Tamandaré e Barreiros, no Litoral Sul de Pernambuco, vai esbarrar em duas casas construídas no meio do caminho, em Mamucabinhas. Espremida entre o mar e o mangue, parte dos imóveis fica na Área de Preservação Ambiental (APA) Costa dos Corais, sob gestão do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio). A Justiça Federal já ordenou a demolição de uma delas, mas o dono recorreu e o processo está tramitando na Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF).

As duas casas impressionam pelo tamanho e localização. Construídas numa área de difícil acesso – a estrada é de terra batida e corta o manguezal – a pouco mais de 7km de Tamandaré, ambas têm dois pavimentos e piscinas. Do lado de fora, é possível ver barcos e motos aquáticas na garagem. Na frente, um muro de pedras e outro de troncos de coqueiro, amarrados com varão de ferro, com cerca de 75 metros de comprimento. Havia ainda uma espécie de palhoça em frente aos imóveis, mas o mar não deixou a intromissão impune e destruiu a estrutura. O muro de troncos também não suportou o impacto das ondas e caiu. Até hoje, as pedras do primeiro muro continuam na praia.

Nos fundos das casas, por onde o banhista é obrigado a passar se quiser continuar sua caminhada, há um muro de arrimo, feito de pedras dentro do manguezal do Rio Mamucabas. O espaço que restou para os pedestres é uma faixa de terra de cerca de dois metros de largura entre a parede do quintal e a vegetação protegida por lei.

Autuado pelo Ibama em dezembro de 2008, o empresário Antonio Claudio Cysneiros Cavalcanti Júnior, proprietário de uma das casas, admite, no recurso impetrado, que construiu o imóvel ancorado num alvará concedido pela Prefeitura de Barreiros – sem competência para tanto, pois o terreno é de marinha, propriedade da União. Não tinha autorização da Gerência Regional do Patrimônio da União (GRPU-PE) nem licença ambiental do ICMBio, conforme o processo nº 0011232-47.2009.4.05.8300. 

No decorrer da ação civil, ele apresentou uma licença da Agência Estadual do Meio Ambiente (CPRH), de março de 2010, para construção de “dois flancos (muros) de contenção nas extremidades Norte e Sul, na frente dos lotes 1 e 2 na Praia de Mamucabinhas, no município de Tamandaré-PE, com 50 e 75 metros respectivamente, e revestidos com troncos de coqueiros e cascos de coco secos para conter a erosão marinha”. Esse documento foi refutado pela Procuradoria da República em Palmares por entender que somente o ICMBio poderia emitir autorização. 

“Nem um muro poderia ser construído ali, pois a dinâmica do mar é muito intensa”, explica o gestor da APA Costa dos Corais, Paulo Roberto Correia, acrescentando que os recifes de coral ficam a menos de dois metros do muro da casa. “Se ele tivesse licença, teria sido emitida de forma irregular, pois a APA não foi ouvida”, completa.

A concessão de licenciamento pela CPRH para construção dos muros de contenção gerou um processo criminal contra o então diretor de Gestão Territorial e Recursos Hídricos do órgão, Nelson José Maricevich Ramirez, movido pela Procuradoria de República em Palmares. Além de Antonio Claudio Cysneiros, o documento também beneficiava o deputado federal Augusto Coutinho (Solidariedade), proprietário da outra casa, contrariando inclusive um parecer técnico da Unidade de Gestão Costeira da CPRH (antiga Gerco), que solicitou indeferimento do pedido. 

Foto: Diego Nigro/JC Imagem
Mansão construída irregularmente em APA em Tamandaré - Foto: Diego Nigro/JC Imagem
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Mansão construída irregularmente em APA em Tamandaré - Foto: Diego Nigro/JC Imagem
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Mansão construída irregularmente em APA em Tamandaré - Foto: Diego Nigro/JC Imagem
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Mansão construída irregularmente em APA em Tamandaré - Foto: Diego Nigro/JC Imagem
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Mansão construída irregularmente em APA em Tamandaré - Foto: Diego Nigro/JC Imagem
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Mansão construída irregularmente em APA em Tamandaré - Foto: Diego Nigro/JC Imagem
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Mansão construída irregularmente em APA em Tamandaré - Foto: Diego Nigro/JC Imagem
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Mansão construída irregularmente em APA em Tamandaré - Foto: Diego Nigro/JC Imagem
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Mansão construída irregularmente em APA em Tamandaré - Foto: Diego Nigro/JC Imagem
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Mansão construída irregularmente em APA em Tamandaré - Foto: Diego Nigro/JC Imagem
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Mansão construída irregularmente em APA em Tamandaré - Foto: Diego Nigro/JC Imagem
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Mansão construída irregularmente em APA em Tamandaré - Foto: Diego Nigro/JC Imagem
Foto: Diego Nigro/JC Imagem
Mansão construída irregularmente em APA em Tamandaré - Foto: Diego Nigro/JC Imagem

Numa vistoria feita em agosto de 2009 em conjunto com o ICMBio, a Gerco constatou que parte dos imóveis estava dentro da faixa de proteção dos 33 metros a partir da linha de preamar. Já o muro de pedras, construído em 2008 e derrubado pelo mar, foi apontado como responsável por potencializar a erosão no local (Relatórios técnicos nº49/2009,fls. 108/112).

Além da demolição da casa, a Justiça Federal determinou pagamento de indenização e reparação dos danos causados ao meio ambiente. Para erguer o casarão literalmente na beira da praia, uma área de restinga foi aterrada. O muro dos fundos também está a menos de 10 metros da margem do Rio Mamucabas e o muro da frente (que desabou) impedia o fluxo da maré. 

O Ibama constatou ainda que a escavação na praia para construção do muro de contenção causou dano direto à APA. Por isso, os donos foram multados pelo ICMBio. “O aumento da remoção de areia deixa a água mais turva e esses sedimentos acabam sendo depositados sobre os recifes de coral”, explica Paulo Correia. 

“Agora, cabe ao TRF decidir se reforma ou mantém a decisão da primeira instância, que determina a demolição da casa e reparação dos danos ao meio ambiente”, explica a procuradora da República em Palmares, Sílvia Lopes Pontes. Se perder, o réu ainda poderá recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF).

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