Já imaginou uma festa de São João sem pamonha, canjica e outras guloseimas derivadas do milho? Pois é o que pode acontecer daqui a algumas décadas se a temperatura no semiárido nordestino mantiver a tendência de aumento que vem registrando nos últimos 50 anos. Essa é uma das projeções mostradas pela tese de doutorado em tecnologia ambiental e recursos hídricos que a meteorologista Francis Lacerda apresenta este mês no Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
A pesquisa da servidora do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA), feita com apoio do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), avaliou se alterações climáticas estão ocorrendo no Estado, onde e suas repercussões, especialmente na agricultura. “O cenário que se descortina para Pernambuco é sombrio”, avisa. “Se continuarmos com esse modelo de desenvolvimento, baseado na monocultura e no desmatamento, produtos como o milho e o feijão podem desaparecer nos próximos 50 anos por estresse hídrico e térmico.”
Para se ter uma ideia da gravidade do quadro, enquanto a temperatura no Brasil subiu até dois graus nos últimos 50 anos, em Araripina, Sertão do Araripe, foi registrado mais que o dobro. O problema ainda é mais preocupante porque, à medida que as máximas aumentam, as mínimas diminuem. “Essa é uma característica de áreas desérticas e indica que o semiárido pode passar a ser árido”, alerta. O desmatamento, associado ao aquecimento global, estaria acelerando o processo de desertificação.
Depois de analisar séries históricas, ela usou modelos e métodos estatísticos, recomendados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), para entender o que está ocorrendo. As conclusões foram assustadoras. A temperatura está aumentando em todo o Estado, enquanto as chuvas e a umidade do solo diminuem. “Até a década de 60, as precipitações eram bem distribuídas e o período chuvoso mais definido. Agora, temos chuvas concentradas em alguns dias e o aumento dos dias secos na estação chuvosa”, explica Francis Lacerda. “Isso ocorre tanto no Sertão quanto em outras regiões e bacias hidrográficas, incluindo a do Rio Capibaribe.”
Essas alterações causam muitos prejuízos ao solo. As precipitações intensas e concentradas provocam erosão, ao passo que as altas temperaturas diminuem a umidade. “Culturas como o milho, que precisam de muita chuva, não conseguem sobreviver”, assegura Francis, revelando que as perdas já estão muito altas. “De cada dez anos de plantio, só se consegue uma colheita satisfatória em três.”
Segundo a meteorologista, até a cana-de-açúcar, espécie mais resistente às intempéries, terá dificuldade para sobreviver com a falta de conforto térmico. A solução será apostar em espécies nativas da caatinga, mas muitas estão desaparecendo antes que se possa estudar como conseguem conviver com tanta adversidade. “Precisamos conscientizar a sociedade da importância de preservar esse bioma. Ele é a chave para entender como se adaptar a essas mudanças drásticas”, acredita.
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