O último estudo sobre as águas subterrâneas do Grande Recife foi realizado em 2001. Naquela época, a reserva permanente do aquífero Beberibe era de 450 milhões de metros cúbicos por ano; a do aquífero Boa Viagem alcançava 248 milhões; e a do aquífero Cabo chegava a 147 milhões. Catorze anos depois e com mais de 4,4 mil poços perfurados na Região Metropolitana, o governo está atualizando a pesquisa para saber a capacidade dos mananciais. O trabalho teve início em janeiro e deve ficar pronto em meados de 2016. Até lá, e em especial hoje, Dia Mundial da Água, o bom senso recomenda o uso com parcimônia.
Essa é a orientação do síndico do Edifício Luciana, nos Aflitos, bairro da Zona Norte da capital, que depende de poço para abastecer os apartamentos e enfrenta problemas com redução do lençol freático. “O nosso poço tem 96 metros de profundidade e terá de ser fechado. Vamos abrir outro, de 150 metros”, diz João Pereira Feitosa. Segundo ele, há cerca de um ano a água não chega com a mesma força ao reservatório, tem cheiro de ferro e está amarelando vaso sanitário, piso e roupas.
“Precisamos lavar o reservatório com frequência para limpar um resíduo de lama no fundo do depósito, a bomba está trazendo água e argila junto”, declara. O exame bacteriológico, diz ele, descarta contaminação. “É uma água excelente, mas tive de botar um filtro na máquina de lavar roupas porque ninguém mais usava camisa branca na minha casa, era tudo creme”, observa. O prédio onde José Humberto de Carvalho Júnior mora, na Ilha do Leite, área central do Recife, passou pela mesma situação e, três anos atrás, decidiu desativar o poço. Desde então, é abastecido pela Compesa.
Os condôminos reclamavam da alta concentração de ferro na água, que descia pelas torneiras com coloração amarelo avermelhada, diz José Humberto, atual síndico do Edifício Morada Alencar. “Os componentes internos da máquina de lavar se oxidavam e as superfícies brancas ganhavam aspecto amarelo: pia, piso e vaso sanitário. Estudantes da área de saúde, residentes no prédio, percebiam as batas amareladas, quando comparada com a roupa alva dos outros colegas, nos hospitais.”
No bairro da Boa Vista, também no Centro, Ana Maria Silva Vasconcelos vê a água do Edifício Mandacaru, onde vive há 30 anos, ficar “amarelo barrenta” a cada dia. “Quando cheguei, não havia poço no prédio. Fizeram depois. A água era excelente. De uns tempos para cá, tudo fica com marca de barro. Estamos pensando em mudar para a Compesa, mas o receio de racionamento é grande. Hoje, temos água direto. Por isso, estamos buscando alternativas para manter o poço”, diz ela.
Manter os aquíferos em equilíbrio é função da Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac), que autoriza ou não a perfuração de poços solicitados por pessoas física e jurídica. Em função do resultado do estudo feito em 2001, não é permitido perfurar novos poços em Boa Viagem, na Zona Sul do Recife, desde 2002. Noutras localidades a orientação foi reduzir a quantidade de água retirada, para diminuir o impacto nos mananciais. O aquífero Beberibe apresentava déficit de 1,98 metro cúbico por segundo e o Cabo, de 0,87. Só o aquífero Boa Viagem tinha saldo positivo na balança do entra e sai de água: 0,63 metro cúbico por segundo.
“Os aquíferos podem se acabar um dia, se a retirada de água for maior do que a recarga”, afirma o hidrogeólogo Waldir Duarte, responsável pela pesquisa em 2001 (apenas em quatro cidades) e que também participa do estudo iniciado este ano (em toda a RMR), em conjunto com o Laboratório Nacional de Engenharia Civil de Lisboa, para nortear as captações sustentáveis. “Já está havendo rebaixamento pela exploração. Se a perfuração de poços não tivesse sido suspensa em Boa Viagem, o aquífero teria se esgotado”, declara. De acordo com ele, boa parte dos poços da Ilha do Leite e dos Coelhos está salinizada. “São poços mal construídos em áreas onde havia mangue”, diz.
Veja a programação do Dia Mundial da Água na edição do JC deste domingo.