Em quatro salas de aula cabem muitos sonhos. Gilvan, 22 anos, deseja tornar-se jornalista. Jéssica, 27, quer cursar administração. Rebeka, 17, planeja passar num concurso público para arrumar emprego. Para que eles cheguem lá, um time de 44 voluntários integra o Projeto Carolina de Jesus, um pré-vestibular comunitário que começou as atividades mês passado no Recife. Feito por jovens das comunidades para moradores também das comunidades, o objetivo do cursinho é encurtar o caminho de quem almeja ingressar numa universidade.
As aulas acontecem nas tardes de sábado em dois locais. No bairro de San Martin, na Zona Oeste, a Escola Municipal Antônio Farias Filho, reúne cem estudantes. Do outro lado da cidade, na Zona Norte, a Associação de Moradores do Alto José Bonifácio, no bairro de mesmo nome, abriga outros 30 alunos. O foco é o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), cujas provas serão realizadas dias 3 e 10 de novembro.
A ideia do cursinho foi da estudante Priscila Araújo, 19 anos, que cursa o 5º período de letras na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Ex-aluna de colégio público, ela participou de um pré-vestibular semelhante, o Rumo à Universidade, quando estava no 3º ano do ensino médio. “Fui aluna de uma escola em horário integral (Erem Othon Paraíso). À noite dava de aula de reforço ou cuidava de crianças para ter alguma renda. O que me ajudou na preparação do Enem foi o Rumo à Universidade, que tinha aulas aos sábados”, relembra Priscila.
“Percebi a defasagem em algumas disciplinas. Mas consegui entrar na universidade pública. E acho justo que outros jovens tenham a mesma oportunidade que eu. É uma maneira de amenizar as injustiças sociais”, diz a universitária. Ela colocou a proposta do cursinho num grupo da UFPE no Facebook no dia 30 de janeiro. Em pouco tempo apareceram os primeiros voluntários. Estruturaram as aulas, separaram as atribuições de cada um, foram atrás de espaços disponíveis.
Além das matérias para o Enem, o projeto vai promover rodas de debates sobre temas atuais. “Queremos colocar sempre um assunto atual em discussão. Não só porque pode cair nas provas. Mas porque acreditamos na educação como transformação social”, ressalta a biomédica Jhulia Nelly dos Santos, 22, que abraçou a ideia com Priscila e assumiu a coordenação do polo do Alto José Bonifácio. Priscila cuida do polo San Martin.
Outro diferencial da iniciativa é a possibilidade de mães e pais participarem do projeto. Voluntários se dispõem a cuidar dos filhos deles enquanto acontecem as aulas. “Assim, basta querer se preparar para o Enem. Não é desculpa não ter com quem deixar os filhos. Nós ficamos com as crianças”, explica Priscila.
CAMPANHA
Para manter as atividades há despesas com cópias para fichas, lápis piloto, água e material de limpeza. A escola e a associação dos moradores cedem os espaços, mas os custos são dos voluntários. Por isso foi criada uma vaquinha virtual (acesse o link aqui). Por sábado são necessários cerca de R$ 70. Até o fim de agosto, as coordenadoras esperam arrecadar R$ 2.500.
O dinheiro será usado para imprimir fichas e apostilas e comprar projetores DataShow, camisas para a equipe e para os alunos, transporte para aulas de campo e visitas às universidades, lanches e material de limpeza.
DEPOIMENTOS
“Faz 11 anos que parei de estudar. Conclui o ensino médio em 2008. Depois fiz um curso técnico de administração. Mas nunca consegui emprego. Nesses anos todos sempre fiz o Enem. Só estudava em casa, sozinha, pela internet. Agora decidi me preparar mais pois quero cursar administração. Estou gostando muito do cursinho”, diz a dona de casa Jéssica Carla Braga, 27 anos, moradora da Linha do Tiro e aluna do polo do Alto José Bonifácio.
“Achava que o Enem não era pra mim, não teria chance de ser aprovado. Até que minha irmã mais nova passou em enfermagem numa faculdade particular. Ganhou bolsa do Prouni. Isso me estimulou a voltar a estudar e tentar realizar meu sonho de ser jornalista. Trabalhei três anos como operador de telemarketing. Saí em janeiro. Agora vou só me dedicar ao cursinho”, conta Gilvan Martiniano Neto, 22, morador do Alto José Bonifácio.
“Sou preto e pobre. Vim da periferia de São Paulo. Fui aluno de um cursinho comunitário como esse de Recife. Sei da importância dessas ações para jovens como eu. Posso ajudar outros a entrarem na universidade pública como eu consegui”, diz Antônio Vinícius de Jesus Pequeno, 24 anos, voluntário e aluno de publicidade da UFPE (6º período).
“Tenho um filho de 1 ano e 8 meses. Engravidei quando estava no 1º ano, mas nunca parei de estudar. É ótimo ter alguém pra ficar com meu filho enquanto eu assisto às aulas. Às vezes minha mãe ajuda, mas não é sempre. Quero passar num concurso para ter renda e garantir o sustento dele”, conta Rebeka Singrid Gomes, 17 anos, concluinte do ensino médio e aluna do polo San Martin.