EDUCAÇÃO

Bibliotecas comunitárias, espaços de leitura e cidadania

Pesquisa realizada em 143 bibliotecas de 45 cidades brasileiras mostra a importância dos espaços para comunidades, sobretudo das periferias

Margarida Azevedo
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Margarida Azevedo
Publicado em 28/04/2019 às 8:00
Foto: Bobby Fabisak / JC Imagem
Pesquisa realizada em 143 bibliotecas de 45 cidades brasileiras mostra a importância dos espaços para comunidades, sobretudo das periferias - FOTO: Foto: Bobby Fabisak / JC Imagem
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É num prédio onde funcionou uma gafieira e depois bailes funks que crianças e adolescentes do Alto José Bonifácio, na Zona Norte do Recife, se encontram para ouvir histórias, brincar com jogos de tabuleiro e ler livros. Na fronteira entre Olinda e a capital pernambucana, no bairro de Peixinhos, as mesmas atividades acontecem num local antes usado como matadouro, hoje batizado de nascedouro. No Coque, na Ilha Joana Bezerra, área central do Recife, a leitura é realidade numa casa alugada na Rua Centenário do Sul. Lá funcionam bibliotecas comunitárias. Pesquisa realizada em 143 espaços como esses em 45 cidades de 15 Estados e do Distrito Federal revela o quanto os equipamentos são essenciais para formação de leitores e empoderamento dos moradores.

O estudo foi realizado de 2017 até a metade de 2018, sob a coordenação do Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF) de Olinda, juntamente com o Grupo de Pesquisa Bibliotecas Públicas do Brasil, da Universidade Federal do Estado do Rio (Unirio); e o Centro de Estudos de Educação e Linguagem da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Os resultados serão divulgados numa publicação prevista para ser lançada em maio. O levantamento foi financiado pelo Instituto C&A e a Fundação Itaú Social, com apoio da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias. Entre as bibliotecas pesquisadas, sete estão na Região Metropolitana do Recife (cinco na capital, uma em Olinda e uma em Jaboatão dos Guararapes).

Uma das constatações é que 86,7% das bibliotecas ficam na periferia de áreas urbanas e em regiões de elevados índices de pobreza, violência e exclusão de serviços públicos. “São espaços não só de formação de leitores, mas que possibilitam debater a vida comunitária. É onde as mães se juntam, por exemplo, para conversar sobre raça, gênero, sexualidade. Onde as crianças ficam em vez de estarem nas ruas. Local de aconchego para sentir e compartilhar experiências da comunidade”, destaca uma das coordenadoras da pesquisa, Cida Fernandez, do Centro Luiz Freire. “Observamos que os moradores valorizam a biblioteca também porque ela consegue transformar a imagem da comunidade”, diz Cida.

Na Biblioteca Amigos da Leitura, do Alto José Bonifácio, a mediadora Selma Maria de Oliveira, 45 anos, vai à procura dos leitores. Sai de casa em casa, pelas estreitas ruas e becos do morro, convidando crianças, jovens e adultos para visitarem a biblioteca. “Se eu demoro a vir com minhas netas ela logo pergunta o que aconteceu. Pra gente que vive numa comunidade pobre é muito importante um lugar como a biblioteca. É um pedacinho do céu”, afirma a dona de casa Eliane Tavares, 48. As netas Sara Letícia, 9, e Larissa Vanessa, 7, adoram o espaço.

“Fazemos um trabalho de enraizamento comunitário. Vou conversando e informando as atividades que são realizadas. Chamando para participarem”, explica Selma. Alunos das escolas públicas do entorno são assíduos visitantes. Fundada em 2005 pelo educador físico Fábio Rogério, 45, a biblioteca recebe em média 70 pessoas por dia, de segunda à sexta. “Contribuímos para o desenvolvimento do outro. Cada um escolhe seu destino, mas mostramos que existem várias possibilidades”, destaca Fábio.

“Adoro ler. É uma emoção. Me sinto abraçada pelo autor”, comenta Thaís Soares, 15, aluna do 9º ano da Escola Estadual Caio Pereira, que fica em frente à biblioteca. “Não pego livro emprestado no colégio porque só liberam para quem é do grêmio. A biblioteca comunitária fica no caminho da escola e tem livros legais”, afirma a estudante, que está no último capítulo do concorrido livro Narnia (tem fila de espera). Em um mês ela leu quase todas as 750 páginas da publicação.

VÍNCULO

“A maioria das bibliotecas comunitárias fica em espaços pequenos, criadas e geridas por pessoas das próprias comunidades. Isso facilita o acesso. Nosso desafio é disseminar a leitura em lares que não são de leitores”, observa Isamar Santana, uma das pesquisadoras de campo. Ela coordena a biblioteca do Cipoma, localizada em Brasília Teimosa, na Zona Sul, que existe desde 1997.

“Gosto de ler gibi. Quase todos os dias estou na biblioteca. É muito legal”, afirma Nauhanna Yasmin Souza, 8, moradora do Coque. A Biblioteca Popular do Coque nasceu em 2007. “Havia muito preconceito com o Coque, sobretudo por causa da violência. A biblioteca possibilitou outro olhar para a comunidade”, acredita Betânia Nascimento, fundadora do espaço.

Os pesquisadores constaram também o vínculo que os mediadores de leitura criam com os frequentadores das bibliotecas. “São depoimentos emocionantes. Muitos falam da dedicação desses mediadores. Há uma relação de afeto, de pertencimento. Pessoas como Selma, Fábio, Isamar e Betânia conhecem profundamente a comunidade”, diz Cida.

MANUTENÇÃO

A Biblioteca Multicultural Nascedouro, em Peixinhos, também contribuiu para desmistificar a ideia de um bairro violento. O prédio estava abandonado e foi ocupado pelo Grupo Boca do Lixo, 19 anos atrás, para implantação do espaço de leitura. Atualmente são 6 mil livros e uma média de 60 visitantes por dia.

É difícil manter a biblioteca pois o prédio tem infiltrações e quando chove alaga a sala. O prédio é da Prefeitura do Recife e precisa de reparos. Não temos muitos recursos. Mas continuamos por acreditar no poder da leitura, na importância da resistência”, ressalta a coordenadora financeira do equipamento, Fabiana Braga. A prefeitura informa que está elaborando um projeto de restauro para o nascedouro.

 

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