Estudantes que farão o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), segunda maior avaliação do planeta (só perde para o vestibular chinês, chamado Gaoka), estão preocupados. A rotina de preparação para as provas, marcadas para 3 e 10 de novembro, é dividida com dúvidas de como vai ser a abordagem dos assuntos, já que será a primeira edição elaborada pela gestão do presidente Jair Bolsonaro. A insegurança também é grande em relação à produção do exame, que teve mais de 5 milhões de inscritos (o prazo acabou na última sexta-feira). O clima de incertezas aumentou quatro dias atrás, com a saída do terceiro presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o órgão responsável pela avaliação, somente este ano. O delegado Elmer Coelho Vicenzi foi substituído pelo engenheiro Alexandre Lopes, que garantiu a manutenção do cronograma da avaliação e recomendou tranquilidade aos candidatos.
Professores que lecionam no ensino médio acreditam que as mudanças nos testes devem ocorrer mais nas provas de redação, de linguagens e de ciências humanas (que reúne assuntos de história, geografia, sociologia e filosofia). “Os critérios da correção da redação foram mantidos. Em sala de aula, continuo ensinando a técnica aos alunos. Sobre o tema, a expectativa, até pelos posicionamentos do governo, é de seja um assunto menos controverso, mais neutro”, diz a professora Ana Cristina Verdasca, do Colégio Santa Maria.
Nacionalismo, família, heroísmo e soberania nacional, tão destacados pelo presidente da República e seus seguidores, foram incluídos na lista de assuntos a serem trabalhados nas aulas da professora Tereza Albuquerque, que mantem um cursinho preparatório de redação. “Independentemente do tema, o aluno precisa ter posicionamento crítico na sua redação. Ele deve lembrar que a correção do texto será feita por um profissional da educação, um professor”, destaca Tereza.
O professor Rodrigo Bione, dos Colégios Núcleo e Equipe, diz que a preocupação dos alunos é compartilhada pelos docentes. “Essa bagunça que está no MEC, no Inep, causa insegurança. É algo que nunca aconteceu desde a criação do Enem”, observa Bione. “Dizer que existe doutrinação nas provas do Enem beira o absurdo, mostra muita ignorância. As provas refletem a diversidade e estimulam o pensamento crítico. Tem Simone de Beauvoir. Mas tem também Santo Agostinho, que não acusam ser de esquerda”, ressalta o professor. “Estamos trabalhando os conteúdos de maneira séria, como sempre fizemos, para dar embasamento aos alunos para que respondam a prova que vier”, complementa Bione, que não abre mão de provocar a pluralidade de opiniões.
A expectativa do professor Elias Nascimento, que coordena a área de humanas no Colégio Santa Maria, é de provas mais conteudistas. “Não sabemos o que vem pela frente. Mas acredito que os testes serão mais tradicionais, mais na linha positivista. Vão apresentar o acontecimento histórico em si, sem muita reflexão. Como eram as provas na época do regime militar”, diz Elias.
Docente do Colégio Cognitivo, Sílvia Meira também aposta em provas do Enem mais conservadoras. “A tendência é de que sejam provas com temas menos polêmicos, com perfil mais conservador”, afirma Sílvia. “Quem elaborar a prova não poderá mudar o fato histórico. Mas pode direcionar a abordagem por um determinado ângulo, como a escolha de textos e imagens para ilustrar a questão, por exemplo”, diz Sílvia. O mais importante, para ela e os demais docentes, é manter os vestibulandos motivados e focados na preparação para o Enem. Afinal, o exame é a porta de entrada para ingressar em mais de cem universidades públicas brasileiras.
APREENSÃO
"É inevitável, diante dessa conjuntura política que o Brasil está passando, não ficar preocupada em como serão as provas do Enem. Será a quarta vez que faço o exame. Gosto do modelo e espero que ele não perca a identidade. Não são testes fáceis, mas as questões são bem elaboradas e abrangem vários aspectos da sociedade. Eu, por exemplo, me identifico com várias. Independentemente disso, estou focada e me preparando para o que vier”, diz a estudante Talyta Oliveira, 22 anos, fera de medicina.
"Pelo que os professores têm dito nas aulas, a expectativa é de que as provas do Enem deste ano sejam mais conceituais, mais conteudistas. É provável que apareçam temas menos polêmicos. Mas ninguém sabe ao certo o que vem pela frente. Estou otimista, apesar de ficar ansiosa por causa de tanta instabilidade no País. Tenho estudado normalmente para que nada atrapalhe meu percurso até os dias das provas e contado com o apoio dos professores. Será meu primeiro Enem valendo”, afirma diz Camila Coutinho, 17 anos, concorrente de direito.
SISU
Outra preocupação dos estudantes que farão o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em novembro é sobre a permanência das universidades no Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Dirigentes das quatro universidades públicas de Pernambuco que participam do sistema (UFPE, UFRPE, UPE e Univasf) asseguram que não há indicativo, pelo menos até agora, de saída do processo seletivo. Criada nove anos atrás, em 2010, a plataforma online reúne vagas em graduações ofertadas em todo o País e substituiu os vestibulares. Na última edição, realizada em janeiro passado, foram 129 instituições participantes e 235.461 vagas abertas.
“O Enem tem a dimensão que ganhou hoje por causa do Sisu e da adesão das universidades federais ao sistema. Existem 63 universidades federais, das quais 60 estão no Sisu e as outras três usam o Enem em suas seleções. Estamos acompanhado de perto todo o passo a passo do exame”, diz a pró-reitora de ensino de graduação da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Socorro Oliveira.
“O exame está consolidado. Esperamos que a qualidade que sempre teve seja mantida nas provas deste ano. Também esperamos que não haja interferência política a ponto de comprometer uma avaliação tão bem sucedida. Acreditamos na história e na idoneidade do Inep”, complementa Socorro, que integra o Colegiado de Pró-Reitores de Graduação das Ifes (Cograd). Na Rural, segundo ela, não há indicativo de saída do Sisu.
“A UFPE não tem nenhuma decisão ou constituiu grupo de trabalho para analisar a possibilidade de deixar o Sisu. Queremos acreditar que o atual governo manterá o mesmo padrão de qualidade do Enem”, afirma o pró-reitor acadêmico da UFPE, Paulo Goes.
“Esperamos que o Inep mantenha todo o rigor e transparência na realização do exame. Afinal, são muitos sonhos por trás do Enem e do Sisu. Não há, junto ao Conselho Universitário e aos colegiados de cursos, nenhum tipo de discussão sobre a saída da Univasf do Sisu”, garante a pró-reitora de ensino, Monica Tomé.
ESTADUAIS
O reitor da UPE, Pedro Falcão, também tranquiliza os vestibulandos sobre a permanência da universidade no Sisu este ano. “Apesar de não termos recebido nenhum verba do Ministério da Educação para assistência estudantil, como havia sido prometido ao aderir ao Sisu, em 2014, vamos manter a UPE no sistema. Se houver uma saída, acredito que será em bloco, por todas as 46 universidades estaduais. Mas que não afetará, pelo menos na UPE, os vestibulandos deste ano”, explica Pedro.