Em um dos andares do Centro de Informática (CIn) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), na Cidade Universitária, Zona Oeste do Recife, alunos e professores desenvolvem novas tecnologias para celulares e computadores da multinacional Samsung. Num prédio vizinho, no Instituto de Pesquisa em Petróleo e Energia (Litpeg), construído com dinheiro da Petrobras, pesquisadores analisam o combustível vendido em Pernambuco, Alagoas e Sergipe. No Departamento de Zootecnia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), em Dois Irmãos, Zona Norte da capital, um grupo avalia a qualidade do leite produzido por búfalas de uma empresa potiguar. Exemplos que mostram que as universidades públicas brasileiras já recorrem, faz tempo, a verbas de empresas privadas e órgãos públicos para custear pesquisas e oferecer serviços, uma das propostas do Programa Future-se, lançado semana passada pelo Ministério da Educação (MEC).
A ideia do governo federal é estimular os investimentos privados nas instituições federais de ensino. Quem está na academia aprova a medida, desde que o recurso captado seja para aumentar (o já defasado) orçamento e não substituir repasses regulares da União. Outro aspecto considerado positivo será a possibilidade de diminuir a burocracia para celebrar contratos, um dos entraves apontados por pesquisadores para atrair parcerias com empresas. Mas especialistas questionam se as regras vão garantir o volume de investimento esperado e a segurança jurídica. Temem que os professores se tornem ‘mercadores’ atrás de financiamentos, em detrimento da missão de formar profissionais.
“O ministério está com uma impressão, talvez exagerada, de quanto dinheiro vai conseguir com isso”, alerta o sociólogo Simon Schartzman, membro da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior. “O programa está abrindo possibilidades legais e criando instrumentos que podem incentivar a atração de recursos. Mas não resolve o problema a curto prazo”, destaca Simon Schartzman. Para o economista e professor Sérgio Firpo, do Insper, as universidades federais de maior renome “talvez já tenham alguma estrutura de arrecadação” e não necessitem dos recursos de um fundo soberano, como anunciado pelo MEC. “Mas talvez as que mais precisem sejam justamente aquelas para as quais ninguém quer doar”, observa.
“A universidade brasileira sempre foi chamada para contribuir com a solução de problemas da sociedade. A academia não vive numa torre de marfim, não estamos fechados em nós mesmos. Nossa preocupação é que esse programa do MEC estimule demais uma atividade importante que é a interação com as empresas, mas penitencie o ensino. Concordo que devemos usar melhor nosso patrimônio, fortalecer a relação com o setor privado. Mas com todo cuidado para que não leve os pesquisadores a se verem como ‘mercadores’ atrás de projetos”, afirma a professora Ana Cristina Fernandes, coordenadora de Articulação e Promoção de Parcerias Estratégicas da Universidade Federal de Pernambuco.
INFRAESTRUTURA
O projeto do CIn com a Samsung existe há 15 anos. Injeta na UFPE, anualmente, entre R$ 10 milhões e R$ 15 milhões, e envolve 10 docentes e 30 alunos de graduação e pós-graduação. “Certamente a qualidade da estrutura de que o Cin dispõe hoje, com laboratórios e equipamentos, deve-se à iniciativa privada. Seria impossível se dependêssemos só de verba pública. O dinheiro da União é insuficiente”, explica o diretor do centro, André Santos. Entre 2012 e 2018, a UFPE captou R$ 600 milhões em projetos geridos via Fundação de Apoio (Fade), dos quais 42% ligados a grupos de pesquisa do Centro de Tecnologia e Geociências (CTG), onde estão as engenharias; e 26,7% do CIn.
Para construir o Litpeg, inaugurado em março, a UFPE contou com R$ 76,5 milhões repassados pela Petrobras. O instituto reúne 12 laboratórios com tecnologia de ponta. Cerca de 400 profissionais entre docentes, pesquisadores, técnicos e estudantes atuam no local. “Além da Petrobras, desenvolvemos projetos com Jeep, Chesf, Suape, usinas de cana-de-açúcar, distribuidoras de combustíveis e com a Agência Nacional de Petróleo”, relata o coordenador do Laboratório de Combustíveis, Florival Carvalho.
“Minha área de pesquisa, a de petróleo, é privilegiada, tem mecanismos próprios de financiamento de pesquisas. Mas no geral há um problema crônico na relação empresa-universidade. Nosso cabedal jurídico é ruim, engessado. Não me aprofundei no programa do MEC, mas o que vier para facilitar e aumentar os recursos do setor privado nas pesquisas será bom”, destaca Florival Carvalho. “As empresas ainda demandam muito pouco da universidade. A burocracia talvez seja o maior empecilho. É importante flexibilizar esse aspecto”, complementa o vice-coordenador do Litpeg, Antonio Barbosa.
PARCERIA
Na UFRPE, este ano, foram captados R$ 4,2 milhões em projetos com empresas privadas (R$ 741 mil) e órgãos públicos (R$ 3,5 milhões), com a participação de 120 pessoas entre docentes, alunos e servidores. “Há um potencial gigantesco nas universidades que pode ser mais aproveitado”, afirma o diretor de Relações Institucionais e Convênios da Rural, Dalton Araújo. As pesquisas com 24 búfalas da Tapuio Agropecuária, empresa do Rio Grande Norte, contemplam doação de ração e insumos, além da cessão dos animais. “Com a escassez de verbas públicas e diminuição dos editais, a parceria com a inciativa privada é essencial para que continuemos fazendo pesquisas”, atesta o professor Ricardo Pessoa.
“É impensável, hoje, competir no mercado sem as novas tecnologias. É a universidade que gera conhecimento. Mas não adianta ficar lá. O empresário que quiser sobreviver só tem a ganhar quando se alia a essas instituições”, garante Francisco Veloso, dono da Tapuio Agropecuária. A parceria com a Rural começou há dois anos e deve se estender por mais três anos. Ela destinará R$ 40 mil a novas pesquisas nas áreas de nutrição e reprodução.