SINCRETISMO RELIGIOSO

A Rainha do Mar no topo do Morro

Devoção a Nossa Senhora ultrapassa as fronteiras do Catolicismo. Seguidores do Candomblé enxergam na santa a representação de Iemanjá, a mãe das águas. Festa é união de todos os credos

Mateus Araújo
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Mateus Araújo
Publicado em 08/12/2012 às 3:27
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Devoção a Nossa Senhora ultrapassa as fronteiras do Catolicismo. Seguidores do Candomblé enxergam na santa a representação de Iemanjá, a mãe das águas. Festa é união de todos os credos - FOTO: NE10
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Bastou a vontade divina para Nossa Senhora da Conceição, segundo a crença católica, se transformar no elo entre o céu e a terra: ser a mãe do Deus-homem. Por uns cristãos considerada santa e por outros, apenas uma serva, é também um símbolo de união e fraternidade intrínseco no papel de mãe. De roupa branca e azul, Nossa Senhora vai além dos credos católicos. Entre velas, flores, cânticos e rezas, o Morro da Conceição, na Zona Norte do Recife, hoje, é não só o templo das Ave-Marias, mas também de um Recife que saúda Iemanjá.

Elcimar da Luz, 38 anos, é filha de Oxum e está prestes a assumir o título de ialorixá (mãe-de-santo). Moradora do Alto José do Pinho, bairro vizinho ao Morro da Conceição, ela vai à festa da santa há mais de duas décadas. O costume foi herança da sua avó, também de candomblé e crente na Virgem Maria.
“Geralmente, quem vai aos pés da imagem da santa é católico apostólico romano. A gente do candomblé vai pelo respeito à santa. No dia 8 de dezembro, sempre vou à procissão e à missa. Quando olho para a estátua, não vejo Nossa Senhora da Conceição; vejo Iemanjá, a mãe das águas, mãe dos Oris (todas as pessoas)”, diz Elcimar.

A avó de Elcimar era devota de Nossa Senhora da Conceição. Também seguidora dos cultos afro-brasileiros, levou a neta ao terreiro. Hoje, casada, mãe de duas filha – uma de três e outra de 14 anos (esta consagrada à Rainha do Mar) – Elcimar é fiel às tradições. De calça jeans e blusa azul, ela leva ao Morro mimos à orixá, e no próximo dia 23 vai à praia do Pina colocar oferendas no mar. São rosas e um maço de velas. “Vou pedir paz, harmonia, saúde e sabedoria que é como a gente sabe lidar com qualquer situação nessa vida.”

Elcimar é uma das cerca de 800 mil pessoas que devem passar pelo Morro da Conceição durante estes dias de festa, que termina hoje com a procissão. Ela, entretanto, faz parte de uma parcela de adeptos ao candomblé que personificam o sincretismo religioso brasileiro. A professora Tereza Cristina Mariano, 53 anos, também enxerga a festa do Morro com um olhar diferente do catolicismo. Umbandista há mais de 20 anos e filha de Oxum, ela leva flores e velas para a imagem da Conceição. Sua ligação com a santa surgiu após a perda de um filho recém-nascido.

“Tive meu primeiro filho com quatro meses de gestação e descobri que ele era doente. Ele morreu e fiz uma promessa para que outros filhos que viessem nascessem com saúde. Hoje, tenho uma moça de 23 anos e um rapaz de 21, todos saudáveis. Todos os anos vou ao Morro pagar a promessa”, conta Tereza. Em sua casa, a imagem da mãe de Jesus encontra espaço junto à imagem de Iemanjá e de Oxum. A festa do Morro é para a professora um exemplo de confraternização de cultos. “Eu fico até emocionada ao ver as religiões se unindo.”

A pessoa de Nossa Senhora surge na história do cristianismo como símbolo da mãe de toda a humanidade. O espírito ecumênico que o dia de Nossa Senhora da Conceição evoca mostra o papel universal que a santa representa. O pároco do Morro, padre José Roberto França, embora afirme desconhecer a presença de seguidores do candomblé e umbanda na festa do bairro, garante que, assim como Maria, a Igreja respeita todos os credos. “A fé tem a sua dimensão pessoal. A igreja respeita isso. O sincretismo surgiu desde o tempo do Império, onde as pessoas eram proibidas de cultuar seus orixás e usavam a imagem dos santos católicos para que os seus senhores respeitassem. O importante é Maria
ser modelo de serviço a Cristo”, diz o padre.
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