Uma mãe, cinco filhos e uma dor que não se mede. Um homicídio por motivo fútil, que expõe o drama de uma comunidade no coração do Recife esquecida por tudo e por todos. O catador Lidivan Batista da Silva, 30 anos, foi morto por causa de um punhado de lavagem. Levava, como fazia todos os dias, restos de comida para alimentar a família no local conhecido como Rua do Papelão, no bairro de São José. Ainda deu metade a seu algoz, que mandou que ele lhe entregasse tudo. Queria dar aos porcos as mesmas sobras que saciariam a fome da prole da vítima. Achava que bicho merecia mais do que gente. Diante da recusa, Lidivan acabou assassinado, na noite de anteontem, com um tiro de 12. O crime tirou o pouco de chão que Maria Galdina Inácia da Silva, 28, tinha. Acuada pela violência, ela abandonou a casa. Desprovida de tudo, implora por doações para amenizar o sofrimento das crianças, que têm entre 3 e 11 anos.
Maria Galdina foi levada por uma equipe da Polícia Civil, ainda na madrugada de ontem, para a comunidade de Roda de Fogo, nos Torrões, Zona Oeste do Recife, onde vivem parentes. Deixou para trás o casebre onde morava, um cubículo sem portas e janelas, sem cama e geladeira, sem reboco e sofá, em frente a um depósito improvisado de lixo, sob condições precárias de saneamento. Carregou tudo o que tinha: um saco de feijão, um pacote de arroz, meio quilo de açúcar, um bujão de gás e roupas. Nada mais.
Além do pouco que Lidivan tirava como catador, a família sobrevivia com R$ 202 provenientes do Bolsa Família. Maria Galdina, no entanto, não sabe o que será do futuro. Os filhos estudavam em duas escolas públicas nos Coelhos, perto de onde moravam, e ontem já faltaram aula.
Sem desgrudar um segundo dos rebentos, a catadora pede ajuda para o difícil recomeço: comida, roupa, lençol, colchão, produtos de higiene, tudo serve. “Quem botava as coisas em casa era meu marido. Não sei como vai ser de agora em diante”, disse ela.
A delegada Gleide Angelo, do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que registrou a ocorrência, declarou que o acusado e a vítima já tinham tido um desentendimento anterior, por causa de uma mobilete que o suspeito repassou e que Lidivan descobriu que era roubada. No momento do crime, o assassino, que segundo Gleide foi identificado como Gordo, queria que o catador lhe entregasse toda a lavagem que conseguira naquela noite. Lidivan só concordou em dar metade ao vizinho e acabou morto, por volta das 21h de anteontem, a poucos metros de casa, na frente dos filhos.
O mais velho, Lucas, 11, chegou a pedir que a vida de seu pai fosse poupada. “Deixa meu pai, por favor. Ele não fez nada com você”, disse o garoto. Gordo teria falado para o menino cuidar dos irmãos. Fugiu após o crime e está sendo procurado pela polícia.
Gleide confessou que se emocionou ao chegar ao local. Deparou-se com os cinco irmãos sentados ao meio-fio, em lágrimas e segurando uma foto do pai. “Nunca vi uma cena dessas. As crianças juntas, chorando e pedindo pelo pai. É muito trágico. Foi uma barbaridade cometida por um motivo fútil. Mas eu falei que eles podem ter certeza de que quem fez isso será preso”, enfatizou.
O corpo de Lidivan foi sepultado, na tarde de ontem, no Cemitério de Santo Amaro, área central da cidade. Doações podem ser entregues na portaria da TV Jornal, na Rua do Lima, em Santo Amaro. Informações: 3413-6187.
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