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Miséria

Até quando terão que esperar?

Viúva de catador morto por comida e mais 447 famílias aguardam um habitacional prometido desde 2006

Wagner Sarmento
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Wagner Sarmento
Publicado em 07/03/2013 às 6:20
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Viúva de catador morto por comida e mais 447 famílias aguardam um habitacional prometido desde 2006 - FOTO: Arnaldo Carvalho/JC Imagem
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Ele morreu esquecido. Perdeu uma palafita para o fogo em 2008. Morava num casebre de um cômodo só, sem porta e janela, na Rua do Papelão, bairro de São José, área central do Recife, esperando o que nunca veio. Um lugar que o poder público visitou, prometeu e ignorou. O catador de lixo Lidivan Batista da Silva, 30 anos, assassinado na noite de segunda-feira numa disputa por sobras de comida, estava cadastrado no conjunto habitacional Vila Brasil, projeto iniciado em 2006, ainda na gestão de João Paulo (PT), que atravessou o governo de João da Costa (PT) e adentra a administração de Geraldo Julio (PSB) com as obras paradas. Assim como ele, são outras 447 famílias que aguardam as sonhadas chaves de casa, com revolta e desesperança.

“Estamos há muitos anos esperando. Já houve dois incêndios no Papelão e as obras não saem do canto. A gente já devia estar lá. Talvez, se tivesse, a história teria sido diferente”, lamenta a viúva Maria Galdina Inácia da Silva, 28. A mulher recebeu na tarde de ontem a visita de duas assistentes sociais da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos (SEDSDH), que orientaram Maria Galdina sobre como transferir para ela o cadastro no programa habitacional, que estava em nome do marido. “Mas eu não sei se vou querer voltar para lá depois do que aconteceu. Prefiro comprar uma casinha em outro lugar, de repente aqui perto”, diz ela, que está com os cinco filhos na comunidade de Roda de Fogo, no bairro dos Torrões, Zona Oeste do Recife, onde vivem parentes.

Mas eu não sei se vou querer voltar para lá depois do que aconteceu. Prefiro comprar uma casinha em outro lugar, de repente aqui perto

Maria Galdina

Na Rua do Papelão, a resignação faz morada em quem vê o tempo engolir o sonho de uma casa digna. Izaquiel Braz Figueiredo, 36, é outro cadastrado que se indigna com a demora na construção do Vila Brasil. A tristeza aumenta todo dia em que ele sai de seu casebre e nota que as obras do Conjunto Habitacional Coelhos, mesmo lentas, estão sendo tocadas. “Não aguento mais viver aqui. Quando chove é uma vergonha. Se a maré enche, leva tudo. Ajudaria demais ir para lá. Seria sair do chiqueiro para uma casa de verdade. Mas ninguém olha por nós. Estamos esquecidos pelo poder público. Entra prefeito, sai prefeito e nada muda”, desabafa.

Outros moradores da Rua Rio Capibaribe, nome oficial da Rua do Papelão, contam que o terreno com o complexo residencial inacabado virou ponto de tráfico de drogas e prostituição. Furtos de materiais de construção são comuns no local, encravado ao lado do Fórum do Recife.

Em nota oficial, a Secretaria de Habitação do Recife informou que a previsão é que as obras sejam retomadas até junho deste ano, com prazo de entrega entre 15 e 18 meses. “No momento, está sendo elaborado um termo de referência para a abertura de licitação para a construção do novo conjunto, que terá 448 unidades”, afirmou.

No momento, está sendo elaborado um termo de referência para a abertura de licitação para a construção do novo conjunto, que terá 448 unidades, diz em nota a Secretaria de Habitação do Recife

Já a Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos do Recife disse que a família de Maria Galdina era acompanhada desde 2008 pelo Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e assegurou que, a partir de agora, intensificará a assistência.

Está sendo estudada “uma ação integrada com a Secretaria de Saúde, no sentido de oferecer acompanhamento psicológico, e com a Secretaria de Educação, para, se for o caso, remanejar as crianças para uma escola mais perto de onde irão residir, já que a mãe e os filhos deixaram a comunidade do Papelão”. Maria Galdina recebe auxílio-aluguel de R$ 150 desde que um incêndio destruiu a palafita onde a família morava.

INVESTIGAÇÃO - Ainda nesta quarta-feira, a Polícia Civil informou que três pessoas, ao todo, tiveram envolvimento na morte de Lidivan. De acordo com o delegado Alfredo Jorge, do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), responsável pela investigação, dois suspeitos já foram identificados. Equipe do DHPP está em diligências desde anteontem em busca dos acusados, que seguem foragidos.

Jorge disse que o autor do disparo é um homem apelidado de Gordo, pivô da discussão que provocou o crime. Gordo, segundo o delegado, exigiu toda a lavagem que a vítima havia conseguido catar. Queria alimentar seus porcos. Lidivan só aceitou repassar metade. A outra parte daria de comer à esposa e aos cinco filhos. “A mulher do acusado já foi ouvida. Pelo que consta nos autos, o motivo é banal e ainda tem o agravante de ter sido cometido na frente do filho mais velho da vítima”, disse.

O segundo suspeito também identificado teria se desentendido com Lidivan pouco antes do crime e ficou à espreita da vítima. Já o terceiro, conforme a Polícia Civil, furtou um revólver 38 que Lidivan portava quando foi morto.

Leia mais na edição do Jornal do Commercio desta quinta-feira (7)

 

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