Internação compulsória

O desespero de uma mãe para internar filho viciado em crack

Depois de tentar de tudo para afastar o filho do crack, mãe é a primeira do Estado a recorrer à Vara da Infância e Juventude para garantir internação compulsória, último recurso para deixá-lo livre do vício

Wagner Sarmento
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Wagner Sarmento
Publicado em 13/04/2013 às 14:44
Hélia Scheppa/JC Imagem
Depois de tentar de tudo para afastar o filho do crack, mãe é a primeira do Estado a recorrer à Vara da Infância e Juventude para garantir internação compulsória, último recurso para deixá-lo livre do vício - FOTO: Hélia Scheppa/JC Imagem
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Ela não aguenta mais. Carrega uma cruz do tamanho do mundo. Ambulante, mãe de seis filhos, botou cinco na universidade. Só não o caçula. Está perdendo o menino para o crack. O que você ousar pensar como alternativa, esta mulher já tentou – conversa, castigo, psicólogo. Nada deu jeito. O adolescente de 17 anos definha sem se dar conta, sem remorso. Não admite o vício nem aceita as tentativas de ajuda. Ela pediu socorro sabe-se lá quantas vezes e ninguém a ouviu. Anseia, a qualquer custo, a internação compulsória do filho: “Só vejo dois caminhos: ou ele é internado, ou morre”. É a primeira mãe no Estado que recorre a uma Vara da Infância e Juventude pedindo o recurso, adotado no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas ainda cercado de controvérsias. Audiência pública será realizada no próximo dia 29 no plenarinho da Câmara de Vereadores do Recife, onde tramita um projeto de lei que dispõe sobre a internação voluntária, involuntária e compulsória de dependentes químicos.

Foi no final de 2011 que Marisa descobriu o envolvimento de Luan (nomes fictícios), então com 15 anos, com os entorpecentes. A maconha e o álcool foram a porta de entrada para um jovem afeito ao universo das artes. As drogas sintéticas vieram a reboque. Em poucos meses, o comportamento do garoto mudou. Carinho virou deboche. Respeito se tornou cinismo. “Toda mãe fala que não sabe que seu filho é viciado. Mas sabe sim. É fácil distinguir”, conta.

O pior, no entanto, estava por vir. O crack entrou na casa da família sem pedir licença e, em pouco tempo, tirou a paz. Marisa acredita que o vício do filho na pedra da morte teve início há cerca de seis meses, em novembro do ano passado. Luan ficou ainda mais arredio. A dependência logo o engoliu. Roubou os princípios, o moral, o discernimento.

O menino abandonou a escola. Trocou o dia pela noite. Passa a manhã e a tarde dormindo e, quando o sol sai de cena e o resto da cidade se recolhe, ele ganha as ruas da área central do Recife, junto a um exército de dependentes químicos, na nossa cracolândia pulverizada, para alimentar o vício.

Na falta de dinheiro para comprar droga, enveredou pelo caminho dos pequenos furtos. Começou em casa: em três meses, a mãe contabiliza prejuízo de mais de R$ 2 mil, entre eletrodomésticos e objetos. Não satisfeito, passou a aproveitar vacilos para roubar vizinhos e amigos. Ainda não assaltou. É ladrão de oportunidade, admite a mãe. Marisa, certa vez, precisou desembolsar R$ 300 para quitar uma dívida com fornecedor e evitar maiores transtornos. “O declínio dele foi muito rápido”, afirma. “Faço o que posso para não expor meus outros filhos”, acrescenta.

Pouco antes do último Natal, Luan chegou em casa drogado como nunca antes. Alterado e fazendo muito barulho, discutiu com um dos irmãos, que pedia silêncio. No meio da briga, puxou uma faca. Foi o limite. O caso foi parar na Gerência de Polícia da Criança e do Adolescente (GPCA), mas a queixa acabou não sendo registrada. Coração de mãe falou mais alto.

A relação com os irmãos, que sempre fora boa, se degradou. Todos, à exceção do caçula, estão encaminhados na vida, seja na faculdade ou no trabalho. Vivem acuados e desenganados. Pobre, abandonada pelo marido, Marisa criou os filhos sozinha. “Blindei minha cria como pude, os outros cinco nunca se envolveram com nada, têm seus projetos de vida, mas ele eu não consegui proteger. Em um ano, envelheci mais do que na vida inteira. Isso está acabando comigo”, sentencia. “Mas já parei de me culpar. Preciso internar meu filho”, enfatiza.

Em seu calvário, a mãe começou procurando o Ministério Público. Escutou o primeiro não: o Estado não disponibiliza a modalidade de internação compulsória. Insistiu. Foi à Defensoria Pública. Ouviu um defensor dizer que ela voltasse a procurá-lo “quando seu filho virar infrator”. Engoliu a seco e persistiu. Fez uma petição, entregou à Vara da Fazenda Pública da Capital e foi encaminhada à Vara da Infância e Juventude, que por sua vez solicitou um laudo psiquiátrico do adolescente. “Ele não quer se submeter. Aí fica esse jogo de empurra e os dias passando, meu filho piorando e eu morrendo com ele. O fundo do poço chegou. Estou pedindo socorro”, desabafa. Quer dar o primeiro grito e ajudar outras mães que dividem o mesmo drama e vivem na penumbra da vergonha.

Leia mais sobre a internação compulsória de dependentes químicos, com detalhes do projeto de lei recifense e opiniões de especialistas na edição deste domingo (14) do Jornal do Commercio

 

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