Em nenhum nenhum lugar no Recife há contraste maior entre nome e realidade. A Rua Imperial é uma antítese gritante de si mesma. A altivez ficou no passado. A via está encravada no coração da cidade e, ao mesmo tempo, parece fora dela. Tem infraestrutura, saneamento básico, iluminação, metrô do lado, um corredor de ônibus na via paralela, a Avenida Sul, e está a um pulo da região central. Motivos que ensejaram projetos, mas nunca saíram do papel. Os casarios históricos descascam de indiferença, ao menos 15% dos imóveis estão desocupados segundo o último levantamento, a prostituição e o crack viraram inquilinos, os engarrafamentos não escolhem dia nem hora e, a cada chuva, os alagamentos reinam. O esquecimento gerou outra consequência. Há uma semana, uma comunidade começou a ser erguida num terreno abandonado, próximo ao pontilhão do metrô e à Rua Cabo Eutrópio. É gente que não tem horizonte e vê, na ausência do poder público, a chance de ter um teto.
Um percurso de desalento. Assim pode ser definido o trajeto de quase 2 km da Rua Imperial, que liga o Centro à Zona Sul. Um passeio que logo nos convida à história, com edificações que remontam ao século 19. O desrespeito ao passado, entretanto, é implacável. Um dos imóveis já perdeu até o muro. A cerca de madeira destoa, mas simboliza o desleixo. Um portão enferrujado, ao lado da construção, esconde um depósito de sucatas. Os ferros-velhos representam 3% dos prédios da via. As placas de “aluga-se” e “vende-se”, recorrentes, reforçam a ideia de abandono. Fachadas carecem de reboco, acabamento e pintura. Paredes e tetos em situação precária gritam por reformas. Matagais desvelam a falta de manutenção.
O Viaduto Capitão Temudo, mais adiante, é ponto de consumo de crack e prostituição. A alça criada pela prefeitura, ligando o sistema viário da Avenida Agamenon Magalhães à Rua Imperial, tirou um pouco do isolamento do corredor, mas debaixo dela há uma dúzia de barracos onde a droga é utilizada por homens e mulheres, em plena luz do dia. Pichações são uma constante. Um posto de gasolina fechado, cercado por tapumes, exemplifica: ali, naquele pedaço de terra carente de investimento e atenção, pouca coisa sobrevive. O moderno e bem cuidado prédio da Junta Comercial de Pernambuco (Jucepe) é um oásis em meio ao desprezo que norteia o caminho.
Na continuação do trajeto, um muro alto e um portão de ferro ocultam um terreno que passa despercebido pelos motoristas e pedestres. É ali dentro, do lado da Travessa Imperial, que um punhado de famílias resolveu fixar residência. A reportagem tentou entrar no local, um lamaçal só acessado por quem dispunha de botas, mas os moradores não quiseram dar entrevistas. Informal e apressadamente, disseram pertencer ao Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). “Esse terreno é da União, então é nosso. Não temos para onde ir, aqui não tinha uso nenhum e viemos. Queremos ficar em paz”, resumiu uma moradora.
Pessoas da região relataram que a ocupação teve início no feriado de 1º de maio. Alguns barracos ainda estão sendo montados. O Jornal do Commercio flagrou o momento em que um veículo descarregou pedaços de madeira na favela.
O Plano de Reabilitação Integrada e Conservação Urbana da Rua Imperial foi elaborado uma década atrás, na gestão do prefeito João Paulo, mas nunca se tornou realidade. O projeto teve autoria da Cardus Estratégias Urbanas, empresa dirigida por Vitória Régia de Andrade, presidente do Departamento de Pernambuco do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-PE). O levantamento apontou que a via tem 450 mil metros quadrados de potencial construtivo.
O plano prevê, além de comércio, serviços e unidades de uso misto, quase 130 mil m² de imóveis residenciais, incluindo habitações populares – nas quais os moradores da nova favela poderiam ser incluídos, assim como as 1,5 mil famílias que vivem em palafitas perto dali. “Identificamos e planejamos restaurar os imóveis históricos, para preservar a arquitetura da época”, pontuou Vitória Régia, acrescentando que o prefeito Geraldo Julio recebeu cópia do projeto, mas ainda não houve retorno.
Um dos fundadores e primeiro presidente do Instituto Pelópidas Silveira, o arquiteto e urbanista Milton Botler explica que, um dia, a Rua Imperial já fez jus ao nome. “A via era originalmente um dique de proteção do mar e tem uma ocupação colonial. Hoje, vemos edificações do século 19. Até a década de 1970, era a rua onde se situavam as principais multinacionais, prédios do governo, uma área nobre. A expansão urbana para a Zona Sul foi tirando o interesse de lá. A Imperial tem poucas conexões transversais, até melhorou isso com a alça do Capitão Temudo, dando mais permeabilidade. É uma área que precisa de uma renovação urbana diversificada, pois fica numa localização estratégica”, ponderou.
Em nota, a Secretaria-Executiva de Controle Urbano do Recife (Secon) informou que “já está ciente da ocupação indevida e vai enviar fiscais até o local para averiguar a situação”. Segundo a pasta, as ações mitigadoras do projeto Novo Recife incluem intervenções da Rua Imperial. Recapeamento será feito no segundo semestre, obra que inclui reparos na drenagem. Os usuários de crack têm recebido visitas semanais.