Entre as tantas jogadas que, às vésperas da Copa do Mundo, Pernambuco não conseguiu concluir, está a retirada das palafitas da área central do Recife. A remoção de 1,2 mil famílias deveria ter sido iniciada no final do ano passado, foi para a prorrogação e hoje, a menos de três semanas do maior torneio de futebol do planeta, que deve trazer ao Estado 200 mil pessoas, ninguém foi convocado para ganhar um novo teto. Os barracos não estão fincados no caminho da Arena, mas no coração do Recife. São retrato de uma paisagem que envergonha quem olha e marginaliza quem nela vive. Um gol contra.
A saída das palafitas às margens do Rio Capibaribe, no trecho entre a Ponte Velha, na Boa Vista, e o Viaduto Joana Bezerra, bairro de mesmo nome, integra o projeto de navegabilidade, que também perdeu o jogo contra o tempo.
As unhas das mãos e dos pés da aposentada Adélia Moura de Oliveira, 68 anos, já estão prontas. Pintadas de verde e amarelo, aguardam o início da competição entre a certeza da torcida pelo Brasil e a decepção de não poder ver a Copa no prometido conjunto habitacional. "Fui cadastrada três vezes e nunca chamaram. Estou na torcida pela seleção, mas gastaram tanto dinheiro que podiam pelo menos ter tirado a gente daqui", lamentou ela, que mora há uma década no Beco do Silva, no bairro dos Coelhos. "Quando eu sair, vou dizer amém. Enquanto isso, estou na minha casinha", acrescentou.
De tanto esperar, o risco bate à porta. A dona de casa Ana Carla Araújo, 24, teve que deixar temporariamente a palafita onde morava com as três filhas. Parte do barraco, suspenso na beira do rio, desabou devido à força das águas. Está vivendo de aluguel num casebre próximo enquanto reforma o seu, enquanto não se muda para um apartamento, enquanto a espera não cessa. A parede abriga uma folha de papel da prefeitura com cadastro datado de maio de 2013. "A maré bateu e a madeira foi ficando podre. O jeito foi sair", contou.
De tanto esperar, o povo cansa. Um breve passeio por entre os becos da comunidade revela, em meio à miséria eloquente, vários barracos caindo aos pedaços. Alguns abandonados. "Teve gente que foi embora por causa das condições precárias aqui. Quem tem um lugar para ir, vai, mas a maioria não tem. O jeito é aguentar", disse a dona de casa Maria do Socorro Araújo, 47, que quase morreu de leptospirose. Ratos, escorpiões e até cobras são comuns. Socorro vive num casebre de dois cômodos, piso de barro, goteiras e um punhado de móveis e eletrodomésticos comprados com suor. Contrastam com a pobreza do cenário duas bicicletas cor de rosa, recém-compradas para as netas.
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