O relógio marca 11h20 da manhã de terça-feira (16) quando o carro do JC encosta na velha estação de Nazaré da Mata, rachada, pichada e sem uso. Não se passam nem dois minutos e lá vem uma mulher andando pela linha férrea, equilibrando uma sombrinha. Olha para os repórteres e interroga: o trem vai voltar? Em pouco tempo na cidade, descobrimos que a pergunta é tão corriqueira quanto fazer dos trilhos desativados um caminho natural de pedestre.
A volta do trem de passageiros é um desejo de jovens e velhos em Nazaré da Mata, distante 65 quilômetros do Recife. “Seria muito bom, andei muito de trem, é um ótimo transporte. Até hoje sinto saudade”, declara Maria Anunciada Pereira, 83 anos, com sua sombrinha cor-de-rosa e apoio declarado ao movimento liderado por estudantes do câmpus da UPE em Nazaré da Mata, pela reativação da Linha Norte da estrada de ferro.
Em maio deste ano (2014) passou um trem aqui, foi tão bonito. Se a viagem deu certo, podiam reativar a linha
comenta João Guilherme, morador de Nazaré da Mata
“É um benefício não só para 500 alunos da UPE, a população de Camaragibe, São Lourenço da Mata, Paudalho, Carpina, Tracunhaém e Nazaré ganharia mais uma opção de transporte público”, observa a estudante de história da UPE e moradora de Carpina Alana de Moraes, 20. Nos seis municípios vivem 442.377 habitantes, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE-2014).
Alana participa neste sábado (20) da 1ª Jornada de Lutas em prol do Trem da Mata Norte, com saída às 8h, da estação de Carpina, tendo como destino a estação de Nazaré, onde serão realizadas atividades culturais – música, poesia, ciranda, coco, grafitagem e debates – a partir das 14h. “Também vamos aprovar um documento solicitando a reativação da linha férrea”, avisa a estudante.
A mobilização dos universitários pelo retorno do trem teve início em 2011, com uma caminhada de 56 quilômetros, do Terminal Integrado de Passageiros (TIP), no Curado, Zona Oeste do Recife, até o câmpus da UPE em Nazaré. Mais duas peregrinações, no mesmo percurso, foram realizadas em 2012 e 2013. A quarta versão será mais compacta, com 14 quilômetros.
“Este ano, o trajeto é menor, mas teremos os debates e as ações culturais”, diz o estudante de geografia da UPE e morador de Camaragibe Pedro França. O documento aprovado será entregue ao Sindicato dos Metroviários, que auxilia o grupo. “As articulações devem envolver as prefeituras e os governos estadual e federal”, diz Lenival Oliveira, diretor-financeiro da entidade.
Segundo ele, a ideia dos estudantes é viável e pode ser implementada a partir do município de Camaragibe, porque os trilhos não existem mais no Recife. “É a ferrovia em melhor situação no Estado. A infraestrutura está pronta, só precisa de reparos, como a troca de dormentes e reposição de brita no lastro. O problema maior será sinalizar as passagens de níveis (cruzamentos com carros e pedestres)”, avalia Lenival.
Edna Maria do Nascimento, dona de casa de 20 anos, se deslocava pela linha do trem, em Nazaré da Mata, na direção da PE-052. “Os trilhos estão se estragando, é uma pena. Só andei de trem uma vez, se voltasse, eu adoraria”, afirma. Na mesma cidade, a vendedora Maria José da Silva, 49, usa o antigo pontilhão da via férrea, sobre o Rio Tracunhaém, para encurtar a distância entre o loteamento Nova Boa Vista, onde mora, e o Centro.
Sem o trem, o pontilhão virou travessia de pedestre, apesar de não ter proteção de guarda-corpo e das tábuas avariadas. “Para quem andava sobre ponte de rolo de bananeira num engenho em Vicência (Zona da Mata), isso aqui é uma estrada”, compara Maria José.
Antes de se retirar, para pegar o ônibus no Centro, ela pergunta se o trem vai voltar. “Seria uma maravilha. Vou realizar um sonho quando isso acontecer, nunca andei de trem”, declara. A mesma indagação é feita pelo motorista João Guilherme Trindade de Lira, 53, ao ver os repórteres fotografando os trilhos próximo da PE-052.
“Em maio deste ano (2014) passou um trem aqui, foi tão bonito. Antes, limparam e ajeitaram os trilhos. Se a viagem deu certo, podiam reativar a linha”, comenta João Guilherme. Ele se referia a uma composição da CBTU-Recife que saiu das oficinas de Edgard Werneck (Areias), seguindo pela Linha Norte até João Pessoa (PB), para substituir uma máquina que iria atender o Trem do Forró de Campina Grande.
No município de Carpina, a 45 quilômetros do Recife, moradores se aproximam dos repórteres para saber de um possível retorno do trem. “Tiraram o transporte do pobre e jogaram o transporte do rico, o ônibus”, diz o guarda municipal Severino João de Melo. “Outro dia veio uma máquina e fez a revisão da linha, pensei que o trem iria voltar”, acrescenta o caminhoneiro Valdemir Rocha da Silva.
“A cidade ficou aguada sem o trem”, diz Valdemir. “Muita gente deixou de ir à praia e ao Carnaval do Recife, quando o trem foi desativado”, completa Ubiratan José de Souza. O prédio da estação Carpina, no Centro, é usado como moradia por um ex-funcionário da rede e como lan house. Os sanitários estão quebrados, com lixo e lama.
Eles lamentam o destino do girador onde o trem girava sobre seu eixo, para fazer a viagem de volta ao Recife.
“Todo mundo gostava de ver esse mecanismo, mas a prefeitura aterrou o equipamento”, informam. “Os alunos da UPE de Nazaré, que moram no Grande Recife, dependem de ônibus fretados, pagam caro e o serviço fica a desejar. Por isso a volta do trem é importante”, diz Alana de Moraes.