O Pátio do Terço, no bairro de São José, Centro do Recife, é um conjunto formado pela Igreja de Nossa Senhora do Terço e 71 edificações, construídas para servir como moradia. Só duas casas e um prédio, onde vivem apenas 27 pessoas, mantêm o uso residencial. Os outros 68 imóveis são ocupados pelo comércio ou funcionam como depósito de lojas e estacionamento.
Apesar de contar com preservação municipal, o casario secular perde suas características dia a dia. O primeiro sinal da mudança é a abertura de vãos para substituir as portas antigas de madeira por modelos de aço, do tipo esteira, mais largas. Acréscimo de pavimentos, com alteração da coberta, e reformas nas fachadas completam o serviço.
“É uma situação lamentável, um lugar histórico e esquecido pela prefeitura”, declara Lúcia Soares, 65 anos, moradora do imóvel 143. Filha de criação da carnavalesca Badia, ela vive nesse endereço há 55 anos e acompanha as transformações à sua volta. “Estou imprensada entre dois depósitos e sempre me perguntam se eu quero vender a casa”, comenta.
A resposta, diz ela, é invariavelmente a mesma: não, obrigada. “Essa foi a primeira casa de culto nagô do Recife. Badia morou aqui até morrer, em 1991, e eu estou lutando para não deixar o nome dela desaparecer”, afirma Lúcia Soares. Vinte e três anos atrás, quando a Primeira Dama do Carnaval do Pátio do Terço morreu, restavam poucas residências no local. O esvaziamento teve início com a abertura da Avenida Dantas Barreto (1971-1973), avalia Lúcia Soares. “Muita gente foi embora nesse período.”
Comerciante aposentado, Norberto Luiz dos Santos, 73, observa outra mudança. “Moro há 33 anos, mas frequento o bairro há 55. Quando cheguei ao Recife, o lugar se chamava Pátio do Terço. Depois trocaram para Rua Vidal de Negreiros”, diz ele. “Lembro de passar pelas ruas de São José e ver os idosos nas janelas e uma placa de vende-se pendurada na parede. De 20 anos para cá, o pátio se transformou muito. À noite, esse lugar é um museu”, destaca Norberto Luiz, morador da casa 129.
De acordo com Lúcia, as edificações são alteradas sem queixas por parte da cidade. Um casa de três pavimentos na esquina da Vidal de Negreiros com o Largo Passo da Pátria teve o terceiro piso derrubado, numa reforma. Grades de ferro fecham a edificação, no andar térreo. “Parece uma prisão. Arrancaram as portas com ajuda de um guindaste, à noite”, diz.
Dos 27 moradores, 18 vivem em seis apartamentos do Edifício Vidal de Negreiros. Rosa Maria Macena, ambulante no Centro, é uma delas. “Estou aqui há oito anos. Gosto do lugar, mas é muito esquisito aos domingos e feriados”, constata a comerciante.
Algumas casas do pátio só preservam a fachada. Internamente são ocas e abrigam estacionamento. Três imóveis nessa situação estão sendo reformados, para novos usos. “Essas três edificações já apresentavam as fachadas descaracterizadas, a intervenção é acompanhada pelo município”, afirma a gestora da Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural (DPPC) da Prefeitura do Recife, Lorena Veloso.
O Pátio do Terço compõe o Setor de Preservação Rigorosa nº 4 da Zona Especial de Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural nº 10, que corresponde aos bairros de São José e de Santo Antônio, desde a década de 80, informa Lorena Veloso. “Nos anos 70, as casas já apresentavam feições modernas. Todos os projetos para lá são analisados caso a caso. Mudanças podem até ser permitidas, se as alterações propostas tiverem harmonia com o modelo existente”, esclarece.
Obras descaracterizadoras, diz ela, são executadas às escondidas, tanto por comerciantes locais quanto por estrangeiros. “Parte delas são irreversíveis”, ressalta, lembrando que a fiscalização ainda é pouca. A Igreja do Terço é tombada pelo Iphan, como monumento federal, há 77 anos.