Uma carruagem modelo Vitória, importada de Londres no século 19 pela família Souza Leão, representante da aristocracia açucareira, é a mais nova atração do Museu do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, localizado no bairro da Boa Vista, Centro do Recife. Com estrutura metálica, quatro rodas e forrada com couro preto, era o meio de transporte mais moderno em circulação na cidade, na época.
Movido a tração animal, o carro foi doado pelos Souza Leão ao Museu do Açúcar, nos anos 60 do século 20. Depois, passou a fazer parte do acervo da Fundação Joaquim Nabuco, que fez a transferência para o Instituto Arqueológico quarta-feira passada (14). No casarão de número 130 da Rua do Hospício, a carruagem ganhou lugar de destaque, na Sala dos Escritores, onde está exposta ao público.
“É um transporte típico do Recife no século 19, que está de volta ao Centro da cidade”, comenta o arquiteto José Luiz Mota Menezes, presidente do instituto. A carruagem, conta ele, foi adquirida durante a regência da Rainha Vitória (1819-1901), da Inglaterra. “Essa é uma característica importante porque a rainha mudou a ideia de transporte. No reinado dela, o veículo deixa de ser de uso só dos nobres e passa a ser de toda gente.”
A principal alteração é a fabricação de modelos mais simples, desprovidos de enfeites. A suspensão de couro, que quebrava com mais frequência, é trocada por ferro. “É quando o Recife passa a comprar carruagens, seges, charretes e cabriolés direto de Londres”, informa. O carro da família Souza Leão, proprietária do Engenho Moreno, na Região Metropolitana do Recife, tem capacidade para transportar quatro pessoas (duas de costas para o cocheiro e duas de frente).
No instituto, a carruagem compõe o cenário com quatro cadeirinhas de arruar, aquelas conduzidas por escravos. “Estamos estabelecendo uma relação histórica entre um transporte que empregava a força humana e outro puxado por dois animais. Era a liberdade do homem, apesar da prisão dos bichos”, destaca José Luiz. Os veículos de tração animal, segundo ele, são escanteados quando o número de automóveis aumenta na cidade, por volta de 1930.
Dialogando na mesma sala, as peças ganham outro significado, na avaliação do arquiteto. “Um objeto em um museu, ou em qualquer tipo de exposição, adquire vida no instante em que, diante dele, um visitante substitui a imobilidade do seu silêncio, e ele passa a falar suas primeiras palavras a respeito de sua existência.”
A entidade tem quatro cadeirinhas de arruar diferentes: a mais luxuosa pertencia à Igreja Matriz da Boa Vista e a mais humilde, quase sem decoração, veio de uma família pobre. “Todas são de grande valor”, diz José Luiz. A carruagem dos Souza Leão será oficialmente repassada ao museu no próximo dia 28, na festa de comemoração pelos 153º aniversário de fundação do Instituto Arqueológico.
Programada para as 19h, a solenidade é aberta ao público, com palestra do pesquisador e sócio do instituto Bruno Miranda, sobre os motins que motivaram a derrota da ocupação holandesa no Nordeste brasileiro (1630-1654). Também serão inauguradas as obras de acessibilidade da entidade (elevador, piso tátil, etiquetas em Braille) financiada pela Caixa Econômica Federal (CEF).
O projeto de acessibilidade também contempla o lançamento de livros dos sócios da entidade com descrição oral do texto e das imagens, voltada para os cegos. O primeiro, de autoria de José Luiz, já está disponível e fala sobre as históricas pontes do Recife pelo viés da mobilidade urbana.