A crise financeira que assola o Estado avança sobre o bem mais precioso da população: a saúde. Cerca de 200 mil pessoas que utilizam, mensalmente, quatro hospitais públicos e oito Unidades de Pronto Atendimento (UPA) no Grande Recife e no interior do Estado, estão prestes a verem reduzida a oferta de serviços como marcação de consultas e de cirurgias, exames de rotina, banco de leite materno e serviço de reprodução assistida.
Boa parte das unidades de saúde geridas por Organizações Sociais de Saúde (OSS) em Pernambuco está operando no vermelho e a ameaça de redução nos serviços se soma a um fantasma que já assombra os profissionais da área: o atraso de salários. No Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip) – maior organização social de saúde do Estado, responsável por 50% das unidades que funcionam sob este modelo – os cinco mil funcionários entram hoje no terceiro dia sem receber os vencimentos de março, que deveriam ter sido pagos no dia 8. Apenas na unidade sede, no bairro dos Coelhos, área central da cidade, o déficit acumulado foi de R$ 27,5 milhões em 2014. As oito UPAs administradas pelo Imip (Cabo, Barra de Jangada, Engenho Velho, Caruaru, São Lourenço da Mata, Olinda, Igarassu e Paulista) têm, somadas desde a criação, um prejuízo de R$ 28,4 milhões e atendem, mensalmente, a 83 mil pessoas. Os quatro hospitais que funcionam sob a batuta da OSS – Dom Malan, em Petrolina; Miguel Arraes, em Paulista; Pelópidas da Silveira, no Recife; e Dom Helder Camara, no Cabo de Santo Agostinho – e que atendem a 66 mil pessoas por mês, amargam um rombo de R$ 13,1 milhões.
SALÁRIOS
Segundo o presidente do Imip, Gilliatt Falbo, o atraso no pagamento dos salários no Instituto se deve à falta de repasse por parte dos governos estadual e federal. Já o prejuízo acumulado ao longo dos anos – e cuja previsão apenas na unidade sede do Imip é de R$ 42 milhões no final de 2015 – é causado pela defasagem dos contratos entre o governo e a OSS. “É preciso rever valores e repactuar metas. As unidades são feitas para comportar determinada quantidade de pacientes, mas sempre terminam atendendo o dobro, aumentando os custos. E acabam recebendo o valor inicial, o que é garantia de prejuízo”, explica. Mensalmente, a unidade sede do Imip amarga prejuízo de R$ 3,4 milhões. Gilliatti Falbo adianta que não haverá prejuízo para os atendimentos de urgência e especialidades como oncologia, por exemplo. Mas o Banco de Leite, serviço reconhecido nacionalmente pela eficiência, deve ser uma das primeiras vítimas da crise, se os recursos não forem liberados nos próximos dias.
A Santa Casa de Misericórdia, uma OSS que administra a UPA dos Torrões, na Zona Oeste do Recife, e o Hospital Fernando Bezerra, em Ouricuri, no Sertão, admite que já utiliza recursos de provisionamento – pagamento de possíveis indenizações e demais encargos – para completar a folha salarial. “Ainda assim precisamos recorrer a empréstimos bancários”, diz Fernando Costa, diretor-executivo da OSS, que também defende a revisão dos contratos com o governo do Estado.
A situação é mais confortável no Hospital Tricentenário, que administra cinco unidades: as UPAs do Ibura e Curado, no Recife; as UPAs Especialidade de Afogados e de Serra Talhada, no Sertão, além do Hospital João Murilo, em Vitória de Santo Antão, na Zona da Mata. “Não temos problema de atraso de repasses ou de salários, mas é preciso que os contratos sejam revistos, sob pena de a situação ficar complicada”, afirma Gil Brasileiro, diretor da OSS.
ESTADO GARANTE VERBA NOS PRÓXIMOS DIAS
O repasse da verba atrasada para as organizações sociais de saúde que atuam no Estado deve acontecer já na semana que vem. É o que garante o secretário estadual de Saúde, Iran Costa. De Garanhuns, no Agreste do Estado, onde acompanhou ontem o governador Paulo Câmara em agenda pública, ele admitiu que houve atraso e afirma que a culpa é da crise financeira que está obrigando o Estado a apertar cada vez mais os cintos. “A situação já era ruim em meados do ano passado, e foi um dos principais motes da campanha eleitoral daquele ano, mas agora piorou bastante. De qualquer forma, o governo do Estado vai honrar o compromisso de repassar os recursos para todas as organizações sociais de saúde”, diz.
O secretário diz não acreditar na possibilidade de prejuízo no atendimento ao público, seja na sede do Imip ou nas demais unidades sob a gerência daquela OSS. “Estou pessoalmente monitorando os atendimentos no Estado e, pelo que vejo, não existe motivo para qualquer redução na oferta de serviços”.
Costa aproveita para dizer que não há qualquer tensionamento entre o governo e as OSSs. “Fazemos reuniões periódicas, com o Imip e com as demais organizações, nas quais informamos sobre a situação de contingenciamento de recursos por parte da gestão pública, nos níveis estadual e federal”. O secretário ainda adianta que o pleito das entidades – a revisão dos contratos e a repactuação de metas – não será atendido em 2015. “Trata-se de um ano de grandes ajustes, em todos os níveis da máquina. Sendo assim, será impossível discutir o aumento de receitas”. O presidente do Imip, Gilliatt Falbo, afirma que se reuniu com o próprio Iran Costa e o governador Paulo Câmara, no último dia 30 de abril. O objetivo era encontrar soluções para o impasse. “O governador ficou de traçar um plano, juntamente com o secretário de Saúde e o secretário da Fazenda, Márcio Stefani, para tratar de uma solução a médio prazo para o problema”.