O prefeito Geraldo Julio vai ter de pedalar muito para alcançar os 70 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas prometidos para sua gestão. Após dois anos e oito meses à frente da administração do Recife, a cidade só conseguiu implementar 14,9 quilômetros de ciclovias (quando há separação física) e 21,4 quilômetros de ciclofaixas (só pintura) e ciclorrotas (só placas alertando que o espaço é dividido entre veículos e ciclistas), totalizando 36,2 quilômetros de infra-estrutura viária. Portanto, nada a se comemorar, hoje, Dia do Ciclista.
Das 12 novas rotas prometidas, durante o lançamento do Plano Diretor Cicloviário (PDC), em fevereiro de 2014, apenas uma saiu do papel – a ciclofaixa Marquês de Abrantes, com 1,9 quilômetro entre Campo Grande e Rosarinho, na Zona Norte. A própria empresa selecionada para estudar e implantar esses percursos desistiu do contrato assinado com o município, mas ainda assim recebeu R$ 419 mil dos R$ 600 mil acordados, pois, segundo a Companhia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU), fez a prospecção das 12 rotas e quatro projetos executivos, ficando os demais para serem concluídos pelo órgão municipal de trânsito.
Algumas prospecções chegaram a ser apresentadas a cicloativistas, que criticaram veementemente os projetos porque a maioria previa apenas ciclorrotas, portanto, sem infraestrutura voltada para proteger o ciclista.
“Não temos mais esperança de avanços nessa gestão. Está tudo parado e não há sequer manutenção dos atuais espaços, que se degradam. Corremos o risco de ver o município implantando apenas ciclorrotas para chegar aos 70 quilômetros prometidos. Até o projeto Zona 30, criado para redução de velocidade no Bairro do Recife, ele estão tentando contabilizar como ciclofaixa”, queixa-se o coordenador da Associação Metropolitana de Ciclistas do Grande Recife (Ameciclo), Daniel Valença. “Crise não é desculpa. Isso é falta de prioridade mesmo”, critica.
O JC tentou falar sobre o assunto com representante da Companhia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU), durante três dias, mas o órgão se pronunciou apenas por meio de nota. No documento, diz que as novas rotas estão em estudo e esses demandam “um tempo maior de análises técnicas, uma vez que o foco é implantar rotas que tenham conexão com as já existentes, traçando uma malha ciclável extensa”.
E promete, ainda para este ano, as ciclovias Inácio Monteiro, no Cordeiro; Antônio Curado, no Engenho do Meio; e Jardim São Paulo, no bairro do mesmo nome, todas na Zona Oeste, alegando “que já estão com os projetos executivos em fase de conclusão”. Vale salientar que as duas primeiras eram previstas para o ano passado.
Para se ter uma ideia do atraso da capital pernambucana no que se refere às bikes, a vizinha João Pessoa, com 720,9 mil habitantes (Recife tem 1,6 milhão) contabiliza 51 quilômetros de ciclovias e há grande movimentação para elevar esse número para 250 quilômetros. Na cidade de São Paulo (maior metrópole do País, com 12 milhões de habitantes) houve um salto de 60 para 307 quilômetros cicláveis de 2013 para cá.
Não basta crescer. O serviço precisa melhorar muito no Brasil inteiro. Mas dá para imaginar isso sem, sequer, um levantamento do uso dos espaços existentes? Na CTTU, essa ação ainda está sendo planejada”. Se depender de estudo e planejamento, a capital pernambucana deverá ter a melhor malha ciclável do País. Ao menos em projeto.
BIKEBÓI - A briga das bicicletas por um lugar ao sol nem estava instalada e Cláudio Santos, 33 anos, já era um bikebói. Há 17 anos, ele faz entrega de documentos para uma empresa de contabilidade no Recife usando a magrela. Pedala entre 35 e 50 quilômetros diariamente, driblando carros, ônibus, motos, carroças e muitos buracos. Indignado com o desrespeito de muitos motoristas que invadem os espaços dos ciclistas, Cláudio passou a filmar esses flagrantes e postá-los no youtube, como forma de protesto.
Uma das postagens tem mais de 29 mil visualizações. Nela, o ciclista fecha a passagem a um ônibus que trafegava na ciclofaixa da Rua Santos Araújo, em Afogados, Zona Oeste, a que mais utiliza. “Ele, todo errado, e ainda me chamou de palhaço. Registrei reclamação com o vídeo na empresa Caxangá e me retornaram dizendo que ele foi punido”, conta. As filmagens irritam alguns motoristas, que chegam a jogar o veículo sobre o bikebói. “Já registrei até queixa em delegacia, não deu em nada, mas do meu direito não abro mão”.
A bike também é companheira nos momentos de lazer e no deslocamento entre sua casa, na Mustardinha, e o trabalho, na Ilha do Retiro, na Zona Oeste. “Eu adotei a bicicleta como estilo de vida. É um meio tranquilo (apesar da falta de respeito), rápido e eficiente. Economizo dinheiro, ganho saúde e o meio ambiente agradece”. Para ele, a população deveria adotar o modal. Isso forçaria uma melhoria da infraestrutura.
Mas o que falta para o município não avançar nesse tema? Cláudio responde sem titubear: “Falta coragem. Há medo de uma repercussão negativa, de contrariar as elites. Mas a cidade é feita para todos”, lembra.