O Complexo Prisional do Curado é uma bomba-relógio com influência direta sobre uma população de 49 mil pessoas em cinco bairros do Recife: Sancho, Tejipió, Coqueiral, Curado e Totó, todos na Zona Oeste da cidade. Coube ao mecânico Ricardo Alves da Silva, de 33 anos, morto ao ser atingido por uma bala perdida – supostamente disparada de dentro da unidade – quando estava no quintal da própria casa, no Alto da Bela Vista, no bairro de Coqueiral, na manhã do domingo, ser a primeira vítima civil dos constantes conflitos entre presos e as forças de segurança (agentes penitenciários e policiais militares). Mas há o risco de não ser a única, caso a situação nas unidades não seja controlada.
Num misto de medo e revolta, os moradores do Alto da Bela Vista denunciam que muitos dos tiros disparados nos embates entre presos e agentes têm como endereço as casas da comunidade. “Há dois meses, minha mãe estava lavando roupa no quintal quando começou um tiroteio no Complexo. Uma bala passou a um palmo da cabeça dela e se alojou numa parede”, conta o vigilante Adeildo Bezerra, que mora no local há 46 anos.
Outra moradora, que preferiu não se identificar, mostra as telhas perfuradas por balas e confessa uma mudança de hábito. “Quase todo dia tem confusão nos presídios. Quando começam os tiros, a gente já se deita no chão”. Na manhã de ontem, no pátio do presídio Frei Damião de Bozzano, onde ocorreu o tumulto na manhã de domingo, os presos estenderam uma faixa em que dizem estar de luto e responsabilizam agentes penitenciários pela morte do mecânico. Também denunciaram a superlotação do Complexo do Curado. Atualmente, 6,8 mil detentos vivem nas unidades, quando deveriam ser apenas 1,4 mil, que é o número de vagas.
A doméstica Silvany Alves, uma das irmãs de Ricardo, diz que o mecânico pretendia se mudar do Alto Bela Vista, junto com a esposa e os filhos, de 4 e 11 anos. “Aqui a gente dorme com tiro e acorda com tiro. Infelizmente ele pagou com a vida por estar em casa com a família”.
Um morador da Rua Luiz Paes de Andrade, no Sancho, que fica em frente ao muro do presídio Frei Damião, diz que enquanto o fluxo de armas e drogas para dentro da unidade não for estancado, os conflitos entre detentos e agentes vão continuar. “Aqui neste lugar, todos os dias, por volta de 6h, é possível ver pessoas jogando revólveres, facões e pacotes com drogas. A polícia sabe e não faz nada”, dispara.
O mecânico foi atingido no rosto a uma distância de aproximadamente 500 metros. Na casa onde ele morava, as marcas de sangue ainda estavam na parede
Ricardo Alves foi sepultado na tarde de ontem, no Cemitério Parque das Flores, no Curado. Logo depois, cerca de 100 moradores do Alto Bela Vista tocaram fogo em pneus e fecharam a Avenida Liberdade, em frente ao Complexo, por cerca de meia hora. Apesar do ânimo exaltado da comunidade devido à morte do mecânico, não houve tumulto. “Vamos acionar o Estado e cobrar responsabilidades pela morte de Ricardo. Não existe manter dentro de uma área urbana um presídio problemático como esse. Amanhã pode acontecer com qualquer um de nós”, diz Maviael Alves, irmão do mecânico.