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Morro já viveu tragédia em pleno dia da Festa da Conceição

Série do JC publicada em abril recontou a história do dia em que, por causa do pânico, sete pessoas morreram pisoteadas

Felipe Veira
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Felipe Veira
Publicado em 07/12/2015 às 20:00
Ilustração: Ronaldo Câmara
Série do JC publicada em abril recontou a história do dia em que, por causa do pânico, sete pessoas morreram pisoteadas - FOTO: Ilustração: Ronaldo Câmara
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Na madrugada de 8 de dezembro de 1959, o Morro da Conceição, na Zona Norte do Recife, foi palco de uma tragédia cujo motivo, até hoje, permanece obscuro. Sete pessoas morreram e cerca de cem ficaram feridas quando um pânico generalizado, seguido de correria, tomou conta do local, durante a festa profana em homenagem a Nossa Senhora da Conceição. Entre os mortos, quatro crianças, com idade variando de seis meses a 11 anos. A versão mais comentada por quem presenciou o tumulto dá conta de que houve um curto-circuito na rede elétrica – improvisada – que alimentava o local da festa, o que teria gerado o corre-corre da população por medo de choques elétricos. Mas há quem diga ter se tratado do estouro de um cilindro de gás. Até mesmo o delegado responsável pelo caso registrou na ocorrência que o pânico começou por conta de dois disparos de arma de fogo.

Os laudos do Instituto de Medicina Legal (IML), que estão sendo digitalizados e organizados pela equipe do Arquivo Público, deixam claro que as sete pessoas morreram devido a traumatismos causados durante a correria. Em outras palavras: foram derrubadas e pisoteadas. Nair Bernardes dos Santos, 34 anos; Flávia de Albuquerque Rios, 8; Maria Teixeira da Silva, 29; Antônio Batista Conrado, de apenas seis meses; Lúcia Eliane da Silva, 5; Severina Maria da Conceição, 11; e Antônia Maria da Conceição, 60, morreram no tumulto. Nair, Flávia, Maria e Antônia tiveram “hemorragia cerebral decorrente de contusão craniana”. Outras três crianças, Lúcia, Severina e o pequeno Antônio, foram vítimas de “choque decorrente de fratura na base do crânio, por instrumento contundente”.

O militar reformado João Pereira da Silva, 72, pai do cantor João do Morro, era um adolescente de 16 anos à época da tragédia. “Lembro que fui àquela missa com a minha avó. De repente, começou uma correria e ninguém sabia o que tinha acontecido. Minha preocupação era com a segurança da minha avó. Depois de muito corre-corre, consegui tirá-la de lá e a levei em casa”, conta. Na volta, João percebeu a gravidade do que tinha acontecido. “Foi quando vi um monte de gente no chão, ferida, carros subindo o Morro para prestar socorro.”

A aposentada Severina Saldanha, conhecida no Morro da Conceição como Dona Sevi, também presenciou o tumulto. “Eram quatro horas da manhã e eu estava na missa, quando ouvi um estrondo. Logo depois, vi a correria da população. Quem caía não conseguia levantar e era pisoteado. Muita gente que não conhecia o Morro acabou se acidentando nas ladeiras”, conta ela, que há 63 anos mora na comunidade e já escreveu um livro contando a história do Morro.

Os feridos foram recolhidos a várias unidades hospitalares da cidade. O resgate foi feito por carros de bombeiros, da Polícia e até mesmo veículos particulares.

Os relatos atuais de quem estava no Morro na fatídica noite de 8 de dezembro de 1959 encontram coro nas matérias de jornais da época. Em sua edição de 10 de dezembro daquele ano, o Jornal do Commercio estampou, em sua página policial, “Dor e desespero marcaram o começo das festas no Morro de Nossa Senhora da Conceição”. A matéria dá conta de que existiam “duas ou três versões para o ocorrido”, citando o possível curto-circuito do poste improvisado e os tiros, que teriam sido disparados por um indivíduo não identificado.

Na matéria, o comissário responsável pelo policiamento da festa, Otton Cousseiro, desmente a versão dos tiros, alegando ter se tratado de fogos de artifício. Mas o delegado de plantão, José Maria Belo, citou, na ocorrência 3194, que o tumulto “teve sua origem em dois disparos de arma de fogo produzidos por pessoas não identificadas”. A Pernambuco Tramways, que era a concessionária de energia elétrica do Recife na época, afirmou que não foi detectada qualquer interferência na fiação de eletricidade do local.

Uma vez esclarecido que os fiéis foram vítimas de traumatismo por pisoteamento, faltava responder à pergunta: o que de fato ocasionou o pânico que resultou em sete mortos e cerca de cem feridos? A resposta estaria no inquérito da Polícia.

A reportagem do Jornal do Commercio foi à sede do arquivo geral da Polícia Civil, no bairro de Santo Antônio, Centro do Recife, mas não conseguiu localizar o inquérito ou qualquer outro registro relativo ao caso. Muito por conta da desorganização do local: os documentos estão largados pelos corredores e pelos cômodos, sem qualquer organização, depois do incêndio que, em 2010, destruiu o edifício original do arquivo, no bairro de São José, também no Centro. 

Depois da tragédia de 1959, a parte profana da festa do Morro da Conceição, com seus brinquedos e barracas de comidas e bebidas, foi transferida para o Largo Dom Luiz, na parte baixa do Morro. Os festejos de Nossa Senhora da Conceição continuam a atrair milhares de pessoas ao local, todos os anos. Mas o motivo pelo qual sete pessoas morreram e tantas outras ficaram feridas permanece indefinido na guerra de versões. 

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