O retrato é de abandono. Do patrimônio e das pessoas. Fincada entre as Ruas do Imperador e à margem do Rio Capibaribe, no bairro de Santo Antônio, Centro do Recife, a Praça Dezessete – batizada numa referência ao movimento republicano de 1817 – mais parece invisível ao poder público.
O Monumento Português à Aviação, lembrando a primeira travessia do Atlântico Sul feita por Gago Coutinho e Sacadura Cabral, se perde entre caixas de entulhos acumuladas há meses por uma moradora de rua, fora o lixo nas áreas que deveriam ter vegetação. Desativada, a fonte com estátua de uma índia representando a nação brasileira fica tão sem vida quanto as plantas murchas dos jardins.
Degradação que não se restringe aos objetos. Sobre o chão batido, papelões e colchões servem de cama e mesa para muitos que escolheram o espaço como moradia ou dormitório. Uma das residentes se apresenta como Ana Spinelli e diz ter 49 anos, embora saliente parecer bem mais. Ela reconhece ser a dona dos entulhos. “É material para vender, mas estou aguardando o rapaz vir”, alega, sem lembrar a quanto tempo espera e atribuindo a situação, também, a uma úlcera na perna que dificulta sua locomoção.
Trabalhadores da área, contudo, afirmam que ela jamais vendeu qualquer produto acumulado e que a mulher guarda até comida recebida em doações. “É uma vergonha os órgãos do governo não tomarem providências, deixar essa praça do jeito que está, suja, cheia de ratos. Essa idosa já recebeu proposta para morar em casa de família e não foi, também recusa socorro do Samu”, afirma o comerciante Edson Oliveira, 63.
Turistas italianos que passavam pelo local classificaram a praça como “degradada” e “porca”, mas elogiaram a presença da polícia. “A polícia está aí porque pedimos muito após vários assaltos. Há prostituição e tráfico de drogas. Sem falar que é uma imundície e ao lado do Poder Judiciário”, declara uma funcionária do Fórum Thomaz de Aquino, que preferiu não se identificar.
O advogado Ubirajara Lopes Carvalho, do movimento Amantes do Recife, que promove mutirões de limpezas nas praças, lamenta a situação. “Estivemos na Praça Dezessete no início de agosto, limpamos o local e plantamos quase cem mudas de jiboias, dracenas vermelhas e roxas e espadas de São Jorge. Ficou lindo, mas menos de um mês depois não tinha mais nada”, relata. “É vergonhoso, um descaso total do poder público”.
O cenário de degradação se estende a outras praças. A da Independência, no mesmo bairro, está mais para depósito de gente. Pessoas que moram no local e lá fazem, inclusive, suas necessidades. “Só aqui se permite cozinhar em praça pública”, diz Ubiratan. “Muita gente quer mudar de vida, só precisa da ajuda do poder público”. Na Praça Maciel Pinheiro, na Boa Vista, ele conta que arrancaram as mudas de bem-casados plantadas junto à estátua da escritora Clarice Lispector. Lá também há moradores de rua.
Por meio de nota, a Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana do Recife (Emlurb) assegura que “realiza o monitoramento e manutenção regular das praça” e rega as plantas. Já a Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos diz que a rede de assistência faz retiradas “consensuais” das famílias e encaminhamento, quando aceito, para “retirada de documentos, exames de saúde, inclusão no aluguel social e em programas sociais, acolhimento e até mediação dos laços familiares interrompidos”. O órgão, entretanto, nada falou sobre a remoção dos entulhos.