Relógios, todo mundo sabe, servem para indicar as horas. Mas olhando direitinho, eles não têm apenas essa função. No Recife, por exemplo, relógios que há décadas deixaram de prestar esse serviço continuam no topo de prédios antigos marcando não a passagem do tempo, mas a história da cidade. Vale a pena parar e contemplá-los. São raridades que pagam cada minuto parado da sua caminhada pelas ruas.
Quem gosta de olhar para o alto e procurar detalhes nas fachadas das edificações, certamente já viu o relógio da ex-sede do Diario de Pernambuco, na Praça da Independência, Centro da capital pernambucana. “É o mais bonito e mais elegante da cidade”, diz Bráulio Moura, gerente de Produtos Turísticos da Secretaria de Turismo e Lazer do Recife. Ele já organizou até um circuito a pé pelos relógios antigos. E históricos.
Inaugurado no início dos anos 20, o carrilhão do Diario de Pernambuco – relógio que marca as horas ao som de música – parou de tocar na década de 40. “Foi o primeiro relógio com carrilhão na cidade”, destaca o arquiteto Jorge Passos, contratado para elaborar o projeto de restauração do prédio, localizado no bairro de Santo Antônio. O imóvel pertence ao governo do Estado, que cedeu o uso ao Porto Digital.
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A proposta prevê a recuperação do relógio. “Ele pode sim voltar a tocar”, diz Jorge Passos. “Identificamos as peças faltantes e vamos trazer um especialista do Maranhão para ajudar no trabalho. Dos quatro sinos, três sumiram e deverão ser fabricados.” O arquiteto também trabalhou na restauração do prédio da Faculdade de Direito, no bairro da Boa Vista, que exibe um carrilhão na fachada da Rua do Riachuelo.
De acordo com ele, a obra na faculdade não está concluída. “Falta a restauração da fachada posterior onde fica o relógio, que voltará a funcionar, de uma abóbada e de adereços da decoração da parte superior”, informa. “Durante a ditadura militar (1964-1985) pessoas detidas e isoladas no prédio hoje ocupado pelo Hospital do Exército – entre as Ruas do Príncipe e do Riachuelo – conseguiam se localizar pelo badalar dos sinos do relógio da faculdade”, acrescenta Bráulio Moura.
HORA OFICIAL
Em épocas passadas, o carrilhão da Torre Malakoff, no Bairro do Recife, marcava o horário oficial da cidade e ao meio-dia surgia um balão no prédio para a população ver a hora a distancia, recorda Bráulio Moura. “Era a construção mais alta da capital”, diz ele. A torre foi erguida em meados do século 19, abrigou um observatório astronômico, serviu como sede da Capitania dos Portos de Pernambuco e no momento funciona como centro cultural.
A Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), responsável pelo espaço cultural, informa que pretende recuperar o relógio em 2017. No outro lado da ponte, no bairro de Santo Antônio, o Convento Franciscano da Rua do Imperador preserva um relógio quase escondido do público, na cúpula do prédio do século 17.
Possivelmente instalado no século 19, o relógio é de fabricação alemã (os demais são ingleses) e pode ser apreciado do claustro do convento. “A construção do Palácio da Justiça escondeu o relógio”, observa Bráulio. “Há outros semelhantes nos conventos de Olinda e Ipojuca”, informa frei Roberto Soares de Oliveira. Não há previsão para a recuperação do relógio, outro carrilhão que tocava as horas no Recife.
O mais moderno dos relógios antigos, mecânico, fica na Agência Central dos Correios, na Avenida Guararapes, bairro de Santo Antônio. Tem 4,5 metros de diâmetro e decora a fachada desde a inauguração do prédio, em 1950. Ele parou de funcionar em outubro de 2016 e é preciso trocar uma peça do motor. Porém, não há previsão de o relógio voltar a marcar as horas.
Há mais relógios em outros prédios antigos, como a Igreja do Santíssimo Sacramento (Matriz da Boa Vista), na Praça Maciel Pinheiro. Aliás, a igreja tem quatro, dois em cada torre sineira, sem os ponteiros. “Todos fazem parte da história da cidade, infelizmente, com a popularização dos relógios, cada vez mais as pessoas olham menos para o alto e eles foram sendo esquecidos”, declara Bráulio.