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Conheça a história de um artista de rua que vive viajando pelo Brasil

Ângelo Lopez: quando arte e o sonho de explorar o mundo se encontram

ISABELA VERÍSSIMO
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ISABELA VERÍSSIMO
Publicado em 15/04/2018 às 8:30
Guga Matos/JC Imagem
FOTO: Guga Matos/JC Imagem
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De esquina a esquina, o mundo parece ficar menor quando o assunto é distância. Enquanto alguns sofrem para completar cinco voltas de bicicleta no Parque da Jaqueira, Zona Norte do Recife, outros cruzam países com o mesmo modal. Na Praça do Carmo, em Olinda, religiosamente uma vez por semana, diversos desses andarilhos se reúnem para partilhar experiências. Pouco importa a forma como chegaram lá, todos têm um ponto que os liga: a arte.

Sejam malabaristas, músicos, dançarinos ou poetas. Esses artistas de rua dividem parte de um espaço público para compartilhar a rotina que, nem sequer, existe. “Todo dia é diferente. Saímos de onde estamos para isso. Não temos obrigações fixas e usamos o que arrecadamos para viver o dia seguinte”, conta o colombiano Ângelo Lopez, de 29 anos. Formado em Administração de Empresas, ele optou por levar a vida de uma forma bem diferente. E vem aproveitando a cada novo destino.

As reuniões, sempre às 18h das segundas-feiras, em Olinda, era a volta para a casa que nunca existiu. Ou melhor, sempre aconteceu. O colombiano natural de Bogotá - que saiu do país de origem no dia 15 de novembro de 2016 e já atravessou estados como Amazonas, Pará, Maranhão e Pernambuco –, descobriu na pele que lar não é um espaço físico, mas sim onde não se sente sozinho, como ele mesmo definiu. E esses artistas de rua, como o simpático Ângelo, em todas as cidades que passam têm pontos de encontro como forma de fortalecer um laço existente entre eles. Além de praticar o ‘ganha pão’, os andarilhos trocam figurinhas sobre o que viram, ouviram e sentiram nas suas aventuras pelo mundo.

“É impressionante como Recife nunca fica de fora. Você precisa ir ao Carnaval’, diziam a Ângelo, constantemente. “Por isso não pensei duas vezes e vim na primeira oportunidade que tive e, até hoje, sigo encantado”, conta o colombiano em entrevista ao JC, entre o verde e vermelho do semáforo no cruzamento da rua João Tude de Melo com a avenida Parnamirim, na Zona Norte do Recife, onde estava trabalhando no chuvoso Domingo de Páscoa.

Vidas de chegadas e despedidas

Não se sabe ao certo quantos são. A Prefeitura do Recife não tem um levantamento de quantos artistas de rua buscam o sustento entre os carros nas milhares de ruas e avenidas da capital pernambucana. Estipula-se que, entre homens e mulheres, sejam crianças, jovens ou adultos, são cerca de 40 espalhados no Recife - já que a todo momento um chega e outro vai embora. Essa rotatividade existe, afinal, porque justamente a graça nunca foi olhar todos os dias para as mesmas paredes. Esse foi, inclusive, o pontapé para que Ângelo saísse de Bogotá para desbravar o mundo lá em 2016. “Já trabalhei em escritório. Pessoas que trabalham por horas e só pensam em dinheiro. Esquecem das relações, do que tem do lado de fora e dos lugares que podem conhecer. Acham que dinheiro compra tudo, mas vivem pagando contas”, lembrou.

Se vira nos 30

Com uma mochila nas costas e alguns itens de trabalho, como aros, bola, corda e escada, o também professor de artes para nas cidades por onde passa e apresenta embaixo dos semáforos alguns dos módulos que aprendeu com outros amigos ou nos cursos circenses que frequentou. Quando chegamos para entrevistá-lo, avistamos três pinos na mão que se cruzavam, enquanto uma bola de basquete era equilibrada na ponta de um guarda-sol que se firmava no chapéu que cobria a cabeça do artista, debaixo da chuva que caía continuamente como um fim de espetáculo.

“A gente pode conversar, mas tem que ser rápido porque preciso voltar para trabalhar”, alertou à reportagem, pois precisava arrecadar naquele dia R$ 80 que serviriam para começar sua jornada até a cidade de Teresina, no Piauí - distante 1.167 quilômetros (ou cerca de 62 horas pedalando) do Recife. Lá, ele encontraria sua namorada, uma paraense, também artista de rua, que lhe esperava.

“Já a convidei para viajar comigo, mas até prefiro andar sozinho mesmo. Convivência é muito difícil. Sozinho, posso fazer as coisas como eu quero e no meu ritmo”, contou. Por ser autônomo, Ângelo tem o privilégio de escolher o turno em que quer trabalhar no dia, mas quem marca o compasso é o sinal vermelho. “Boa tarde! Um pouco de circo”, assim ele se apresenta aos motoristas. “São praticamente 20 segundos. Tem que ser rápido, mas dá tempo. Tempo suficiente para reconhecer a criança agitada dentro do carro pedindo que a mãe dê algumas moedinhas ou de ver a cara de alguns adultos que abaixam o vidro e nos mandam voltar para o nosso país, ao invés de ficar pedindo esmola”, conta Ângelo.

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Conheça a história do colombiano Ângelo Lopez, de 29 anos. - Guga Matos/JC Imagem
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O artista de rua é também formado em administração de empresas. - Guga Matos/JC Imagem
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Ângelo saiu de Bogotá no dia 15 de novembro de 2016 e atravessou pelo menos 4 estados brasileiros. - Guga Matos/JC Imagem
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Em 2018, chegou na capital pernambucana para conhecer o Carnaval. - Guga Matos/JC Imagem
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No Recife, ficou aproximadamente dois meses e meio. Grande parte do tempo foi dividido com Olinda. - Guga Matos/JC Imagem
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A praça do Carmo, em Olinda, reúne, toda segunda-feira, 18h, os artistas de rua que por aqui estão. - Guga Matos/JC Imagem
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Foi nessas andanças que Ângelo conheceu a namorada paraense, 22. Ela também é artista de rua. - Guga Matos/JC Imagem
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O dia em que essa matéria foi feita, foi o último dia de Ângelo no Recife. Ele seguiu para Teresina. - Guga Matos/JC Imagem
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Argentina, Chile e México são alguns dos próximos destinos. Na imagem, um cruzamento da Zona Norte. - Guga Matos/JC Imagem
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É em cima de uma bicicleta que cabe tudo o que Ângelo precisa para desbravar o mundo. - Guga Matos/JC Imagem
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Cada dia sustenta um novo dia. Ângelo se mantém firme e segue viagem. - Guga Matos/JC Imagem

As pedras no caminho

Outra dificuldade que os artistas de rua enfrentam diariamente é o preconceito. Ângelo explicou que por onde passou no Brasil, quanto mais rico o bairro, menos dinheiro recebe sob as luzes dos faróis dos carros, tal qual fosse num palco diante de uma plateia que não aceita esse tipo de profissão: “As pessoas que julgam o meu trabalho são as mesmas que trabalham um ano inteiro para passar uma semana na praia. Mas elas esquecem que eu posso morar um ano inteiro na praia ou onde eu quiser com o meu trabalho”.

A resposta direta é de quem não demorou muito para perceber que a cultura do lugar que lhe recebeu por dois meses é autêntica pela alegria, a quem comparou com os festivais internacionais, e pela receptividade. No dia a dia, a escolha dos semáforos vai de acordo com a localização. Se encontra um de bom rendimento, ali fica. Se chega outro artista, ele logo diz: “vem pra cá”. A parceria é certa. A cada sinal vermelho, o revezamento entre eles. Cabe todo mundo nesse mundo. Receptividade à parte, Ângelo revelou um lado machista entre os recifenses que o fez ficar surpreendido. “Pensei que minha cidade natal (Bogotá) era machista, mas aqui é gritante. Não respeitam as mulheres, nem as valorizam. Se na Argentina, por exemplo, gritarem na rua um 'Ei, gata', o cara vai levar uma mãozada. O Nordeste é enfermo nesse sentido”, opinou.

Um compartimento infinito

Além das novas culturas, cabem muitas coisas nas malas de um viajante como Ângelo. Blocos de notas, partituras de músicas e um celular são algumas delas. Ainda que em cima de uma bicicleta, há compartimento para quase tudo: “Não levo a saudade”. Nem saudade, nem memórias físicas. Ângelo abriu mão de morar com a mãe, a quem considera sua melhor amiga, para construir o que não pode ser comprado: experiências.

Sua vida artística começou pelo teatro, avançou na dança, entrou para música e se aventurou na pintura. Foi quando se descobriu professor de artes que evoluiu com os malabares. “Os instrumentos que toco são bolivianos, de temperatura fria. Aqui no Brasil é muito quente, muda o som, não fica bom”, diz. Nas cidades pequenas, aproveita a abertura que tem para se apresentar e dar aulas de artes infanto-juvenis. “Cobro R$ 1 por criança, no máximo R$ 2. Olho para elas e lembro porquê saí de casa”, reflete.

Argentina, Chile e México são alguns dos próximos destinos. Agora, a prioridade é, depois de encontrar o amor, seguir para o Mercosul, que fica em Brasília para pegar alguns documentos particulares. Durante a entrevista, que rapidamente se tornou uma conversa – já que a chuva nos levou a procurar um abrigo - questionamos a Ângelo sobre a falta de rotina que parece um tanto quanto assustador para os metódicos. Ele responde que quando o sol invade a barraca onde dorme, é hora de pensar em levar alegria às pessoas: “Imagino se alguém que está pensando em cometer suicídio no trânsito e para no semáforo aqueles 20 segundos para me ver. Foram 20 segundos vendo a arte, o lado bom da vida”. Em contrapartida, questiona a nós (repórter e fotógrafo) sobre o que fazemos. “Acordo todos os dias pensando como posso mudar a vida alguém”, responde Guga Matos, o responsável por capturar com fotos aquele momento único. “É isso. Foi o que quis dizer desde quando me apresentei”, identificou o colombiano. Exatamente o que tentamos construir ao mergulhar na história e apresentar Ângelo Lopez: o artista andarilho.

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