Não é só nas contas do governo – e, por tabela, no bolso do contribuinte . O rastro de desperdício e de incertezas deixado pela Arena de Pernambuco nos últimos quatro anos é sentido, de forma especial, pela população que vive na área adjacente ao Ramal da Copa, via de seis quilômetros de extensão concebida para ligar o Terminal Integrado de Camaragibe ao estádio. Entre despropriações, obras viárias e urbanização, a sensação é de que tudo ficou pelo caminho.
O Ramal da Copa separa os bairros de Viana e Santa Mônica, em Camaragibe. Da Avenida Belmino Correia – principal via do município – até o limite com São Lourenço da Mata, a distância é de um quilômetro. É nesse trecho que se concentra a maior parte dos problemas. A área de 28 mil metros quadrados entre o Terminal Integrado de Camaragibe e a Escola Professor Carlos Frederico do Rêgo Maciel – também conhecida como Loteamento Santo Antônio – foi a mais atingida pela abertura do eixo viário. Moradores do local falam em cerca de 400 famílias desalojadas. Mas, segundo a Procuradoria Geral do Estado (PGE), 122 imóveis, entre locais com e sem construções, foram desapropriados para as obras do Ramal da Copa, a um custo total de R$ 30,7 milhões.
“A minha casa era bem ali”, aponta o comerciante Ednaldo Ferreira para um vão que serve de estacionamento e onde vacas pastam na beira de um canal – com esgoto a céu aberto. “Já se vão cinco anos desde que demoliram o imóvel e eu não recebi nada da indenização. Fiz as contas e, nesse período todo, já paguei quase R$ 45 mil em aluguel”, explica ele, que tem uma lanchonete ao lado da escola. “Eu vi pessoas morrerem de desgosto, de depressão. Histórias de vida foram destruídas para, no final, ficar essa obra toda da Copa pelo meio do caminho”, comenta a aposentada Marinalva Ferreira, moradora do bairro há mais de 50 anos, que não foi atingida pessoalmente pelas desapropriações. “Mas emocionalmente, ao ver tantas pessoas sofrendo”. Algumas pessoas, inclusive, se negaram a falar com a reportagem, alegando não terem mais esperança de resolver os problemas.
Caíram as casas e a sonhada urbanização do entorno do Ramal da Copa não veio. E, com iluminação, coleta de lixo e saneamento precários, o vácuo foi ocupado pela criminalidade. “Aqui ninguém fica à noite na rua”, comenta Ednaldo. “Não é só à noite: a qualquer hora a pessoa pode ser assaltada”, diz o líder comunitário Roberto Martins, morador do bairro do Viana. O Ramal da Copa em si também é um retrato bem acabado do descaso. A via praticamente não tem sinalização visível, o mato é alto em quase todo o percurso. É comum ver bois, vacas e cavalos atravessando a pista. O viaduto que fica exatamente no limite entre Camaragibe e São Lourenço ainda está longe de ser terminado – das seis faixas de rolamento previstas, apenas duas funcionam.
Do lado de São Lourenço da Mata, praticamente não há urbanização, o que não quer dizer que não existam problemas. Ali, algumas ocupações irregulares, como a do Sereno, surgiram. Mas, diferente dos moradores de Camaragibe, eles querem ser esquecidos pelo governo. “A única coisa que a gente soube era que não se podia construir nada a uma distância mínima de 30 metros da pista. Foi o que a gente fez, e queremos ficar por aqui”, comenta um morador da invasão, que apenas se identificou como Marcão, e que trabalha com ferro-velho. No trecho da via que fica em São Lourenço, também chama atenção a quantidade de lixo pelas calçadas, além de equipamentos incompletos, como a ciclovia. Do alto da rua onde mora, no bairro do Viana, em Camaragibe, o líder comunitário Roberto Martins tem uma visão privilegiada da Arena de Pernambuco. Mas preferia ver outra coisa toda vez que saísse de casa. “Aquilo ali poderia ser um hospital para atender à nossa população, por exemplo. Mas está ali, parada. E boa parte do dinheiro investido foi embora, ninguém sabe pra onde”.
RESPOSTA
Segundo o governo do Estado, as únicas pendências com as famílias que ainda não receberam indenizações relativas às obras viárias do Ramal da Copa são relativas a documentos que os próprios moradores devem apresentar à Justiça.
Dos 121 imóveis desapropriados, segundo a Procuradoria Geral do Estado (PGE), 55 foram quitados diretamente com os proprietários, uma vez que houve consenso com relação aos valores oferecidos. “Dos 66 casos em que houve discordância – e foram parar na Justiça –, 90% estão resolvidos e os valores foram depositados”, explica, por meio de nota, a entidade.
Ainda de acordo com a PGE, o valor estipulado pelo Estado é depositado em juízo, cabendo ao proprietário do imóvel apresentar a documentação que o habilite a receber o valor. “A PGE-PE mantém o Núcleo de Desapropriações vinculado à Procuradoria do Contencioso. Esse núcleo acompanha os processos de desapropriação iniciados pela hoje extinta Secretaria Executiva de Desapropriações (Sedes)”, diz, em nota, a Procuradoria.
Segundo a Secretaria das Cidades, “estão em tramitação as licitações para os projetos complementares que finalizam o Ramal da Copa, que incluem infraestrutura, iluminação e sinalização”, mas não há especificação sobre que projetos seriam.
Ainda de acordo com a secretaria, “com o abandono das obras do equipamento pelo consórcio construtor contratado e a necessidade da realização do levantamento dos remanescentes, a finalização do Ramal da Copa foi retomada, após licitação, em 2017 com serviço estrutural no Viaduto V2. Essa etapa foi finalizada em outubro de 2018 e teve investimento de R$ 4,7 milhões”.