Das cerca de 31 mil pessoas confinadas nos presídios pernambucanos, 0,2% se autodeclaram lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais ou transgêneros. Pesquisa realizada pelo Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo (GTP+) em 10 unidades prisionais da Região Metropolitana do Recife (RMR) e divulgada ontem reforça o quanto esse público é vulnerável social e economicamente. A ideia é buscar o fortalecimento de políticas públicas para essa parcela da sociedade a partir do que o levantamento revelou.
Um dos dados mais preocupantes é sobre a situação jurídica. Foram entrevistados 115 presos LGBT. Desses, 35% não foram ainda julgados. Alguns nem sabem como andam seus processos. “É um índice alarmante, mas não muito distante do cenário geral dos detentos em Pernambuco. Segundo a Secretaria de Ressocialização, 51% dos presos no Estado não foram julgados”, diz o coordenador da pesquisa, Lucas Enock. O déficit de defensores públicos foi uma das queixas dos entrevistados.
O trabalho faz parte do projeto Fortalecer para Superar Preconceitos III. Começou em novembro e foi concluído este mês. Inicialmente o objetivo era fazer o mapeamento em todos os 22 presídios do Estado. Mas limitou-se ao Grande Recife pois segundo Lucas, a orientação da Seres foi que a coleta dos dados começasse só após a eleição, o que acabou diminuindo a área de abrangência. “Nosso desafio será fazer uma segunda pesquisa para completar o mapeamento com o perfil de todo o Estado”, diz Lucas.
No Grande Recife, conforme os pesquisadores, existem apenas quatro pavilhões, no universo dos 10 presídios da RMR, que destinam áreas exclusivas para o público LGBT. São três no Complexo Prisional do Curado, na Zona Oeste do Recife, e um no Presídio de Igarassu.
Um universo de 66% disse consumir drogas ilícitas (principalmente maconha, crack e cocaína). O tráfico de drogas, inclusive, é o maior motivo das prisões: 37% estão com restrição de liberdade por causa desse crime. O segundo maior motivo é roubo, 30%.
RENDA
Sobre renda, 52% disseram ganhar até um salário mínimo, 13% não têm renda fixa e 13% recebem de um a dois salários mínimos por mês. Quase a metade, 45%, possui o ensino fundamental incompleto. Só 17% têm essa etapa da educação básica concluída. Outros 16% terminaram o ensino médio. Em relação aos estudos dentro das unidades, 64% informaram não estudar, 33% estão matriculados e 3% não responderam.
“Ouvimos muito relatos de desmotivação para seguir estudando depois de presos. Consideramos fundamental a discussão sobre outras formas de diminuir a pena para além de dias trabalhados ou frequência na escola”, observa Lucas. Ele citou como exemplo uma experiência em que há a remissão da pena a partir da leitura de livros. Embora a pesquisa não tenha perguntado sobre trabalho dentro das unidades, Lucas diz que houve relatos de presos que trabalham informalmente para outros detentos.
“Sou gay, sempre assumi minha opção sexual. Fiquei um ano e três meses no Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros, no Complexo do Curado. Sofri muito preconceito porque consegui trabalhar lá dentro. Também participei de um cursinho preparatório para o Enem. Fui agredido por mais de 30 homens, que fizeram um corredor para me bater. Cheguei no IML até com marcas de sapato no meu corpo. Saí da prisão há mais de um ano e ainda não fui julgado”, diz L., 30 anos, detido por roubo com arma de fogo
Em relação à saúde, uma das perguntas foi sobre o uso de preservativos: 50% responderam que usam, 29% não e 21% às vezes. A entidade afirmou que a quantidade de preservativos distribuídos tem sido insuficiente, conforme depoimento dos presos ouvidos na pesquisa. “A pesquisa vai nos ajudar a dar continuidade ao trabalho que já desenvolvemos nas unidades prisionais. Precisamos expandir as parcerias e diminuir o grau de vulnerabilidade do público LGBT”, defende o coordenador geral do GTP+, Wladimir Reis.
“Fiquei presa três meses. Trabalhava cozinhando para outros presos. Ganhava R$ 50, R$ 80 por semana. Lá dentro há muito consumo de drogas. Não consumi porque se fizesse estava lascada. Quem cai nessa muitas vezes se prostitui para sustentar o vício. Tive um namorado no período em que estive presa. Conseguia preservativo porque eu conhecia uma enfermeira”, afirmou M., 26, que ficou presa em 2014 no Complexo do Curado.