Desabamento

'Ela não vai voltar', diz mãe que perdeu filha em queda de barreira

A família morava numa casa no pé de uma barreira em Jardim Monte Verde, no município de Jaboatão dos Guararapes

Cleide Alves
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Cleide Alves
Publicado em 15/06/2019 às 7:07
Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem
A família morava numa casa no pé de uma barreira em Jardim Monte Verde, no município de Jaboatão dos Guararapes - FOTO: Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem
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Com o rosto molhado de lágrimas pela tragédia que se abateu sobre a sua família, a dona de casa Maria da Conceição da Silva, 36 anos, disse, nessa sexta-feira (14), desconhecer que o imóvel onde ela vivia há quatro meses, no bairro de Jardim Monte Verde, em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife, era condenado pela Defesa Civil da cidade. “Eu não sabia dessa interdição, sei que perdi minha filha e ela não vai voltar mais”, afirma Maria da Conceição, mãe da estudante Maria Gabriela da Silva Souza, 17. A jovem morreu nessa quinta-feira (13), quando uma barreira deslizou por causa da chuva forte e atingiu a casa. O corpo será sepultado às 11h deste sábado (15) no Cemitério de Muribeca, em Jaboatão.

De acordo com ela, o proprietário cobrava R$ 300 mensais pelo aluguel do imóvel e não mencionou, em nenhum momento, a avaliação feita pela Defesa Civil para a edificação. “O dono chegou a perguntar se meu marido não queria comprar as duas casas, conjugadas, por R$ 75 mil, mas ele achou caro e preferiu o aluguel. Se o dono sabia dessa situação deveria ter derrubado as casas”, declara Maria da Conceição da Silva. “Eu só tinha escutado boatos da barreira caindo.”

Aluna do 2º ano na Escola de Referência em Ensino Médio (Erem) Professor Jordão Emerenciano, na UR-2, Ibura, bairro da Zona Sul do Recife, Gabriela faria 18 anos em 13 de agosto. Na quinta-feira (13), por causa da chuva, ela não foi às aulas. “Eu estava com Gabriela e mais dois filhos na área de serviço, quando a gente entrou em casa a barreira desabou, era perto do meio-dia”, relata Maria da Conceição, que teve uma torção no pé direito e levou um corte no pé esquerdo. Os dois estão enfaixados.

“Afundei na lama feito quem está na areia movediça. Vizinhos ajudaram e tiraram a gente de dentro da casa. Gabriela pediu a eles que salvassem logo o irmão mais novo”, diz Maria da Conceição. Na hora do acidente estavam no imóvel a mãe e os quatro filhos: Gabriela; Graziela Maria, 13; Gabriel Antônio, 12; e Guilherme Antônio, 7. Todos foram socorridos e levados para unidades de saúde. Os sobreviventes tiveram cortes e escoriações e receberam alta hospitalar. A família encontra-se na residência de parentes no mesmo bairro desde ontem.

 Casa onde Maria da Conceição morava (Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem)

Um vizinho ofereceu ajuda e cedeu um imóvel para a família sem cobrar pela ocupação. “Vou esperar um tempo e me organizar, para fazer a mudança, por enquanto vou ficar com minha irmã”, diz Maria da Conceição. “Meu marido estava trabalhando quando a barreira deslizou, ele está muito abalado e me culpa porque eu não saí da casa a tempo. Mas isso foi uma fatalidade. Não estava escrito em canto nenhum que a barreira ia cair naquela hora”, declara.

Maria da Conceição e Gabriela foram atendidas na UPA de Lagoa Encantada, na Cohab, bairro da Zona Sul do Recife. “Um médico e uma assistente social me chamaram, disseram que fizeram o possível, mas ela não resistiu a duas paradas cardíacas. Eu não tive coragem de olhar para ela nem de ver o corpo da minha filha sendo levado para o IML (Instituto de Medicina Legal). Um dia, lá para frente, vou entender por que Deus tirou Gabriela de mim agora”, declara.

Ajuda

A família receberá da Prefeitura de Jaboatão lençóis, colchões, cesta básica e produtos de limpeza. “Estou na casa da minha irmã, mas preciso dessa ajuda, perdemos tudo”, afirma Maria da Conceição. A casa ficava na Rua Alto Santa Isabel e segundo moradores da região a preocupação com queda de barreiras é constante. “O risco é muito grande”, destaca Jailson Gomes de Souza, que mora em Jardim Monte Verde há 15 anos.

“As pessoas vivem em casas condenadas porque não têm para onde ir e acabam morrendo dentro dessas casas”, acrescenta Jailson Gomes. Ele ajudou no resgate da família e disse que na hora ninguém se importou com o perigo. “Tinha um monte de fio na casa e a gente podia ter morrido, mas a gente estava fazendo a nossa parte. Era um querendo salvar a vida do outro”, diz Jailson Gomes.

 Moradores temem deslizamentos de barreira (Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem)

“Isso que aconteceu poderia ter sido evitado se as casas condenadas fossem demolidas, foi muito triste”, reforça Jailson Gomes. “Se a prefeitura sabe que as pessoas ocupam esses imóveis, por falta de opção de moradia, deveria derrubá-los depois de condenar”, ressalta outro morador do bairro, sem se identificar. “É a segunda vez que essa barreira desliza, mas agora ela desceu batendo na igreja em construção e sacudiu tudo que arrastou em cima da casa”, descreve outro morador da comunidade.

Pessoas interessadas em ajudar a família desalojada, com doação de móveis, eletrodomésticos, roupas e calçados podem entrar em contato pelo número (81) 98676-2381.

Defesa Civil

O superintendente de Defesa Civil de Jaboatão dos Guararapes, Artur Paiva, informa que a área do acidente será limpa, retificada e reocupada com uma obra de caráter social e comunitário. “Vamos providenciar a drenagem, construir escadaria e fazer um parque infantil. Habitações só serão permitidas nos terrenos remanescentes, mas serão muito poucas”, declara Artur Paiva.

Na manhã dessa sexta-feira (14), a Defesa Civil começou a remover entulhos acumulados no local. “Só podemos tirar o que for possível no momento, depois vamos erradicar árvores em risco e demolir quatro edificações”, avisa Artur Paiva. Serão derrubadas uma igreja, um vão em construção e as duas casas avariadas pelo deslizamento da barreira.

 Artur Paiva, da Defesa Civil de Jaboatão (Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem)

O trecho do acidente é classificado com risco 4 para desabamento de barreira pela Defesa Civil. “É o risco mais alto”, diz ele, acrescentando que a prefeitura vai acionar a Secretaria de Assuntos Jurídicos do município para que sejam tomadas as medidas cabíveis em relação ao aluguel de uma casa interditada.

A casa onde a família de Maria da Conceição da Silva vivia estava condenada desde 2016 e os proprietários foram retirados do imóvel em 2018 pela Defesa Civil. Eles estão morando no Residencial Fazenda Suassuna, em Muribequinha, construído pelo programa Minha Casa Minha Vida. A Defesa Civil informa que cabe ao dono demolir imóvel interditado.

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