A construção é simples: um casarão de taipa (paredes feitas de barro e madeira) com uma varanda central ladeada por duas escadarias de acesso ao pavimento superior na fachada principal. A idade não é certa, possivelmente remonta ao fim do século 17 ou início do 18. Certeza mesmo é que ela é rara. Representa a arquitetura rural brasileira e é um testemunho da interiorização no período colonial. Os atributos renderam o reconhecimento como patrimônio nacional, mas o título não impede o sucateamento da casa-grande da Fazenda Cachoeira do Taepe, em Surubim, no Agreste pernambucano.
Localizada num pé de serra a 134 quilômetros do Centro do Recife, na área rural do município, a edificação está com paredes rachadas, esburacadas e empenadas, o reboco se desprende e expõe ripas e barro, caibros do telhado estão estragados e morcegos fazem morada no patrimônio brasileiro. “Dá uma tristeza ver a casa nessa situação”, lamenta o representante comercial aposentado Hilton Paulino da Silva, 71 anos, um dos herdeiros da propriedade.
Há quase seis anos, como medida de prevenção contra desabamento, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) fez o escoramento do casarão, por dentro e por fora. Desde então, o imóvel está coberto por uma espécie de capa protetora. “O Iphan disse que ia escorar e depois restaurar, mas fizeram só a escora, a casa está muito pior do que antes. Quando eu morava lá, todo ano eu ajeitava uma coisa”, afirma o agricultor aposentado Antônio João do Nascimento, 71, cunhado de Hilton Paulino da Silva.
Último morador do casarão, onde viveu por mais de 25 anos, Antônio João desocupou o imóvel para o Iphan providenciar o escoramento. “Não tenho esperança na obra de restauração. O Iphan disse que não tinha dinheiro e a família também não tem.” O imóvel foi construído com uma técnica comum no período colonial, a taipa de mão (pau-a-pique), na qual o barro usado para montar paredes é atirado com as mãos.
O barro, a madeira e as pedras da base do casarão foram tiradas da região, acrescenta o comerciante Mareval Silva do Nascimento, 46, filho de Antônio João. “Em todas as portas e janelas tinham trincheiras, são buraquinhos para o apoio de armas, num sistema de defesa contra ataques”, relata Mareval. A família, diz ele, participou de várias reuniões com o Iphan e as tentativas de viabilizar verba para a obra de restauração não surtiram efeito. “Infelizmente, estão levando a madeira do escoramento”, observa o comerciante.
Origem
A Fazenda Cachoeira do Taepe surgiu com a doação de terras em regime de sesmaria à família Arruda, informa a arquiteta Carmen Muraro na dissertação de mestrado defendida em 2013 no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia. No século 18, a propriedade rural tinha como base econômica a pecuária e incorporou o cultivo do algodão no século 20. Em 1920, Antônio Paulino Negrinho (1894-1973) comprou a parte da fazenda onde fica o casarão.
“Era uma propriedade muito grande, os donos dividiram as terras e venderam tudo aos poucos, meu pai era administrador da fazenda e comprou esse setor. Somos descendentes da família Arruda”, declara Hilton Paulino. Casado com uma das filhas de Antônio Paulino, o agricultor aposentado Antônio João do Nascimento mudou-se para o casarão quando a sogra faleceu, em 1988. “Passei a tomar conta”, afirma. Segundo ele, a fazenda mantém ainda hoje criação de gado e agricultura.
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Professor aposentado da Universidade Federal de Sergipe e também herdeiro do imóvel, José Paulino da Silva, 76, informa que a família comunicou ao Iphan, por escrito, que não tem dinheiro para a obra. “Nós temos o projeto de restauração, elaborado por Carmen Muraro na dissertação de mestrado e temos interesse na recuperação da casa, que tem um enorme valor histórico e arquitetônico, porém, faltam a planilha de custos e os recursos”, diz.
Segundo ele, os herdeiros concordam em transformar parte do casarão num memorial para contar a história e a cultura da região, conciliando com o uso residencial. “Queremos manter a moradia, essa função preservou o imóvel até os dias atuais. O Iphan já disse que conseguir verba para a obra é responsabilidade da família. Precisamos de apoio para fazer a captação de recursos, pensamos na Lei Rouanet, mas esse caminho é muito difícil para pessoa física”, destaca José Paulino. A casa-grande é tombada desde 1981.
Pela assessoria de imprensa, o Iphan informa que “já realizou a obra de escoramento e aguarda as devidas providências por parte do proprietário, que é o responsável pela conservação do bem.