ABASTECIMENTO

Falta de chuva na Barragem de Botafogo afeta mais de 500 mil pessoas

O reservatório atende Olinda, Paulista, Igarassu e Abreu e Lima

Leonardo Vasconcelos
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Leonardo Vasconcelos
Publicado em 01/07/2019 às 12:22
Bobby Fabisak / JC Imagem
Barragem de Botafogo. O reservatório atende Olinda, Paulista, Igarassu e Abreu e Lima - FOTO: Bobby Fabisak / JC Imagem
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“É revoltante você ver a chuva destruir tudo na porta da sua casa e não ver a água chegando na torneira.” O desabafo é do pedreiro Antoniel Alves, morador da Rua Jaboatão, no bairro Monjope, em Igarassu, Região Metropolitana do Recife. A casa fica a menos de três quilômetros da estação de tratamento da Barragem de Botafogo, responsável pelo abastecimento de Olinda, Paulista, Igarassu e Abreu e Lima e atende a mais de 500 mil pessoas. Apesar das recentes chuvas, o reservatório está com apenas 29% de sua capacidade, nível considerado crítico. Historicamente é uma das áreas menos favorecidas por precipitações.

O desabafo de Antoniel não é à toa. Ele vive em uma casa humilde na rua de terra (ainda mais precária devido à chuva) com a esposa e os quatro filhos e passa um sufoco para manter a família. “Muitas vezes os meninos não vão pra escola porque não tem água pra cozinhar e lava roupa. Estou me virando com o restinho da cisterna há uns seis dias. A gente chega até a coar a água pra ela render mais. Isso morando quase do lado da barragem. É um absurdo”, reclamou.

A Barragem de Botafogo tem capacidade de 27,5 milhões de metros cúbicos de água. No dia 20 de junho, quando a reportagem do Jornal do Commercio foi até lá, estava com 29%. Todavia, na semana anterior, antes das chuvas recentes, ela se encontrava em pré-colapso, com somente 8%. Para se ter uma idéia do quão o índice é baixo basta ver o boletim de monitoramento da Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac), divulgado na última quinta-feira. Na ocasião, outros reservatórios da Região Metropolitana do Recife (RMR) estavam muito mais cheios: Bita (Cabo de Santo Agostinho) com 104%, Matriz da Luz (São Lourenço da Mata) com 101% e Duas Unas (Jabotão dos Guararapes) com 98%, respectivamente.

Além da barragem, o Sistema Botafogo é alimentado por outros mananciais, cujas captações – a fio d’água – são feitas nos rios Arataca, Cumbe, Monjope, Conga e Tabatinga. O déficit histórico de chuvas na barragem fez com que no dia 19 de janeiro deste ano a Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) ampliasse ainda mais o já severo rodízio de fornecimento de água nas áreas das quatro cidades de um dia com água e cinco sem, para um dia com água e seis sem, como “medida preventiva para preservar a vida útil desse manancial”.

Segundo a Compesa, na ocasião, a captação foi reduzida de 300 para 70 litros de água por segundo e o volume total de água tratada para a distribuição da população caiu de 1.130 para 900 litros de água por segundo. Questionada pela reportagem do JC se os índices ainda continuam os mesmos a companhia garantiu que sim. Todavia, para a população, a sensação é bem diferente. Para pior.
A reclamação não vem apenas de moradores de áreas menos favorecidas ou altas como a mostrada no início deste reportagem. Em endereços de classe média ou até alta, a queixa é a mesma. Na Rua Coronel João Ribeiro, no Bairro Novo, em Olinda, conhecida pela tranquilidade e de pouco movimento na via, teve até “engarrafamento” de carros-pipa, de tanto que os moradores precisaram recorrer ao serviço. De acordo com eles, houve determinados dias e horários que tinham quatro veículos abastecendo as casas ao mesmo tempo na rua.

Uma das casas que recorreram aos carros-pipa foi a que a doméstica Márcia Gomes, de 56 anos, trabalha. “A situação está horrível, faz mais de 15 dias que não chega água. A gente abre a torneira e não chega um pingo. Então tivemos que pagar carro-pipa mesmo. Já chamamos dois, um foi R$ 180 e outro R$ 150 reais. Um gasto que não deveríamos ter, né? Mas fazer o quê? Está todo mundo da rua tendo que comprar”, reclamou Márcia.

A poucos metros da casa, a pensionista Luciane Dias Leite, de 50 anos, que mora em frente à Praça Doutor Vitoriano Regueira, se queixava de nunca ter passado tanta falta d’água. “Há 15 anos que moro aqui e na minha casa faz quase um mês que não chega. Estamos aqui com roupas e pratos sujos acumulados, é muito transtorno. Se está assim aqui que é área nobre imagina no resto? A água não chega, mas a conta sim. Está aqui paga, mas cadê o serviço da Compesa? Precisamos que ela resolva isso o mais rápido possível porque não aguentamos mais”, reivindicou Luciane.

Questionada se há alguma previsão de mudança no rodízio de fornecimento de água, a Compesa esclareceu que “só após o final do inverno – que normalmente termina no fim do mês de agosto – é que faremos um balanço hídrico a partir dos dados de água disponível, demanda e previsão para o próximo verão”. Ou seja, o único jeito é esperar para que as chuvas sejam generosas com o sistema Botafogo.

Localização do reservatório piora captação de água

O problema da falta de chuvas na área da Barragem de Botafogo não é de agora. O Jornal do Commercio consultou a Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac), que explicou que a região historicamente apresenta deficiência neste quesito, devido a alguns fatores geográficos. Por isso que, mesmo com o grande volume de água que caiu em Pernambuco neste mês, o reservatório continou bem abaixo dos outros da Região Metropolitana do Recife.

O gerente de meteorologia da Apac, Patrice Oliveira, explicou que um dos principais aspectos que contribuem para o fenômeno é geográfico. “A barragem está localizada em uma área mais alta no meio de uma planície. Então quando a massa de ar vem do oceano e encontra uma elevação acaba provocando a chuva um pouco depois”, disse. De acordo com ele, a área do sistema de Botafogo também tem influência sobre o problema. “A bacia de contribuição dela é pequena em comparação com as demais e ela não conta com tantos afluentes assim. Ou seja para encher seria preciso uma quantidade maior de chuva especificamente naquela área”, detalhou.

Como exemplo da deficiência de chuvas na área, Patrice citou o relatório do acumulado do mês de agosto até o último dia 26 (quarta-feira). “Neste período observamos que no Recife como um todo choveu 445 milimetros, em Camaragibe 431 e em Olinda 378. Em Igarassu, onde a barragem está localizada, o índice do município no geral foi de 306, o que poderia dar a falsa impressão de que a diferença não foi tão grande. Mas se você for ver o dado de Araçoiaba (município vizinho), que é a principal bacia de contribuição da barragem de Botafogo, vai ver que lá só choveu 153 milímetros”, pontuou.

A última vez que a Barragem de Botafogo sangrou (verteu água) foi em agosto de 2011. “Isso só aconteceu porque foi um ano atípico em que se choveu muito, além do esperado. Naquela barragem todas as barragens estavam com a capacidade máxima”, contextualizou o gerente de de meteorologia da Apac.

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