O Teatro do Parque, prédio que ocupa o número 81 da Rua do Hospício, no bairro da Boa Vista, Centro do Recife, está trocando de roupa. Dia a dia, a edificação se despe de camadas de tinta que encobriam a pintura antiga das paredes, de pisos modernos, de forros que escondiam o telhado. A obra de restauração, retomada em 2018, vai deixá-lo o mais próximo possível da feição apresentada aos recifenses em 29 de julho de 1929, quando é reaberto ao público como cineteatro depois de passar por uma reforma completa.
Noventa anos atrás o Teatro do Parque não era colorido, não havia placas de resina simulando vitral na fachada e o salão dos espelhos não ficava no hall de entrada, relata a restauradora Simone Arruda. Contratada pela prefeitura para elaborar o projeto de restauração artística e decorativa, ela acabou fazendo uma extensa pesquisa e resgatou a história do prédio desde a inauguração do teatro, em 1915. É esse estudo que está orientando todas as intervenções, da pintura à instalação de hidrantes, para-raios e armários para guardar mangueiras de incêndio.
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Para resgatar as informações perdidas em reformas ao longo dos anos Simone Arruda teve de raspar paredes. Mas nem tudo o que aparecia era suficiente para embasar uma proposta de restauro. Ela conseguiu montar o quebra-cabeças depois de ler reportagens publicadas em jornais e revistas sobre o prédio construído pelo comendador Bento Aguiar em 1915 e a edificação reformada pelo empresário do ramo de cinema Luiz Severiano Ribeiro em 1929. “Alguns jornalistas foram muito detalhistas nas reportagens e isso ajudou a esclarecer pontos obscuros na história do teatro”, declara Simone.
O Jornal A Província, na edição de 24 de agosto de 1915, dia da inauguração do Teatro do Parque, descreve o prédio em minúcias: o teto coberto por telhas Eternil, apoiado sobre dez pilastras de cimento armado; a plateia com capacidade para 1.039 pessoas; a disposição das cadeiras e a classificação por letras, sendo de A a P destinadas à primeira classe; os camarotes reservados à polícia, imprensa e inspetoria dos teatros; o gradil de 80 centímetros de altura que separa os camarotes; o palco com 10 metros de fundo por 15 metros de largura; a decoração no estilo renaissance e a iluminação com lâmpadas de 1000, 100, 60 e 50 velas
A telha Eternil – placas de fibrocimento importadas da Suíça – foram substituídas nas reformas. “Localizamos apenas no beiral de uma área construída na reforma de 1929 e que manteve a mesma telha de 1915”, diz Simone Arruda. Da decoração de origem, ora definida com art nouveau ora como estilo renaissance, restaram vestígios de guirlandas formando volutas (ornamento em espiral) numa das paredes do hall. “É impossível voltar ao prédio de 1915, optamos por contar essa história aos visitantes num memorial na entrada da edificação.”
Quando reabrir as portas, depois da obra de restauração, o teatro terá cores mais sóbrias, como ocre, cinza e terra de siena (vermelho ferrugem). “São as tonalidades da pedra calcária, pigmentos óxidos, marcantes na nossa arquitetura colonial, conseguimos recuperar a paleta de cores usada na reforma de 1929. As cores que aparecem no teatro são as mesmas recomendadas no manifesto da arquitetura neocolonial, um movimento nacionalista em resposta ao ecletismo de influência europeia”, explica.
Pintura de painel que emoldura palco está sendo restaurada. Foto de Edmar Melo/Acervo JC Imagem - 10/08/2015
A pintura decorativa do painel que emoldura o palco resgata o desenho criado em 1929 pelos pintores Mário Nunes e Álvaro Amorim, dois dos fundadores da Escola de Belas Artes de Pernambuco em 1932, e que estava encoberto. “São desenhos com referência a vitrais”, observa Simone Arruda. O Teatro do Parque, totalmente aberto em 1915 e voltado para um jardim, é fechado por venezianas na obra de Luiz Severiano Ribeiro, que arrenda a casa de espetáculos em 1929 e acrescenta a exibição de filmes. Em 1959, o prédio é desapropriado pela Prefeitura do Recife.
Dez anos depois, numa tentativa de transformar o prédio em um equipamento público moderno, assim como a cidade ganhava ares de modernidade com abertura de ruas e edifícios mais altos na década de 1960, o imóvel passa por mudanças, relata. Novas intervenções, também descaracterizadoras, são realizadas em 1988 e no ano 2000. “Agora, usando conceitos atuais de restauração, vamos voltar ao tempo histórico conhecido que é 1929”, afirma Simone ao esclarecer as mudanças no prédio para quem guarda na memória a ambientação do teatro da década de 1990.
O salão dos espelhos, montado no hall de entrada em 1915, foi transferido para o ambiente construído em 1929, onde passou a funcionar a bilheteria. “Essa referência será resgatada, teremos o salão de espelhos da época de Luiz Severiano Ribeiro”, diz Simone Arruda. Também será recuperada a pintura decorativa que imita mármore (simile pierre na denominação francesa) na sala de acesso ao teatro.
Prefeitura
Fechado desde 2010, o Teatro do Parque foi transformado num Imóvel Especial de Preservação (IEP) do município em 2012. Só em 2013 teve início a obra de restauração, suspensa em 2015 e reiniciada em 2018. O prédio encontra-se em processo de tombamento estadual e a previsão da prefeitura é concluir a obra de restauro até o fim de 2019. No momento estão sendo executados serviços de reforço estrutural nas colunas da plateia.
De acordo com a prefeitura, o projeto prevê melhorias físicas no palco e aquisição de equipamentos modernos para projeção de filmes, sonorização e iluminação. A obra de restauração está avaliada em mais de R$ 12 milhões, sendo R$ 5,6 milhões da prefeitura, R$ 3 milhões do Ministério da Cultura e mais R$ 4 milhões a serem captados para a compra dos equipamentos.
A intervenção executada de 2013 a 2015, no valor de R$ 1,1 milhão, contemplou a reforma das instalações elétricas, hidrossanitárias e do sistema de drenagem, além de outras ações emergenciais como troca de madeiras estragadas, telhas e calhas.