Há três anos, um grupo de jovens recém-formados decidiu popularizar a arquitetura em comunidades de baixa renda no Estado de Pernambuco. A ideia de criar um escritório e trabalhar juntos nasceu ainda na faculdade, mas não vingou após a conclusão do curso, em 2013. Com a crise no mercado da construção civil em 2016 e a constatação de que 92% da população nordestina recorre à autoconstrução para erguer ou reformar suas moradias, eles resolveram levar o conhecimento da sala de aula até as pessoas que nunca na vida pensaram em contratar um arquiteto.
“Nossa proposta é oferecer serviços para quem não tem acesso a orientação técnica, com projetos de baixo custo, isso aumenta a segurança da edificação e as famílias passam a ocupar uma casa saudável”, afirma o arquiteto Jonatha Rafaell de Lima Neto, um dos fundadores da Abra Arquitetura com Propósito, construtora de base comunitária com sede no Recife. “Fazendo a casa sozinho o proprietário gasta mais dinheiro e pode não ter a obra finalizada”, acrescenta a arquiteta Samille Germana Gomes da Silva, sócia da empresa.
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O trabalho realizado pela Abra contempla desde a construção do imóvel até intervenções mais simples como pintura, troca de piso e reforma de banheiro. “A gente cria o projeto apenas para o serviço que o cliente precisa e dentro do pouco orçamento disponível”, explica Samille. “Para baratear os custos, compramos material direto da indústria, a miudeza é adquirida no bairro porque assim o dinheiro circula na comunidade e, quando possível, recrutamos mão de obra local”, destaca Jonatha Rafaell.
Casa segura para os filhos de Natália Macena. Foto: Leo Motta/JC Imagem
Uma das moradias construídas pelo grupo de arquitetura social fica na ocupação Irmã Dorothy, na Imbiribeira, bairro da Zona Sul do Recife. É uma casa de alvenaria, com 50 metros quadrados, três quartos, sala, cozinha e banheiro. Custou R$ 15 mil, com recursos arrecadados numa vaquinha virtual, e substitui a residência anterior, feita de tábuas. “Essa é uma obra social, fizemos duas nesse formato, a outra está na Zona Rural de Toritama (município do Agreste do Estado)”, diz o arquiteto.
Na Imbiribeira, a obra não trouxe apenas mais conforto para a família de Natália Alisse Ramos Macena e Lúcio Flávio de Almeida. A nova moradia também garantiu ao casal o direito de ficar com os seis filhos. “Quase perdemos a guarda das crianças, elas passaram oito meses num abrigo em 2017 porque a casa não oferecia segurança, principalmente para Natanael, que é deficiente visual”, declara a manicure Natália Macena. Ex-balconista de farmácia, Lúcio Flávio vive de trabalhos temporários no momento.
“Foi uma mudança enorme, a casa ficou pronta em janeiro deste ano (2019), do jeito que a gente queria, a obra durou 58 dias e a nossa vida melhorou mais de 100%”, relata Natália Macena. Uma advogada que acompanhava a família na Justiça e conhecia o trabalho de arquitetura social do grupo indicou a empresa. “Só de pensar que chove e não tem goteira e que a ventania não faz as tábuas do telhado voarem, é muito bom”, comenta a mãe de Éverson Daniel (11 anos), Natanael (10), Alice (8), Ana Clara (6), Wellyda (4) e Hanniel (2).
Economia
Moradora do Alto Santa Isabel, em Casa Amarela, bairro da Zona Norte do Recife, Adriana Rosinete Pereira da Silva queria trocar o piso da sala e da cozinha porque a cerâmica estava quebrada e rachada. Mas não passou pela cabeça de Adriana chamar um arquiteto. “Minha sobrinha sugeriu e o resultado ficou lindo, depois que eles mudaram a posição da mesa e da geladeira a cozinha parece que cresceu, é muito bom ter uma casa organizada”, diz ela, adiantando que ainda este ano pretende trocar o revestimento da fachada.
“Aos pouquinhos vou melhorando a casa, moro aqui desde que nasci, há 47 anos. Meu pai vive na parte de baixo e eu ocupo a parte de cima. Estou empolgada com a obra, os vizinhos que viram a reforma gostaram e o preço ficou muito bom”, destaca Adriana Rosinete. “Em alguns casos conseguimos uma economia de 30% no valor da obra”, diz Jonatha Rafaell, ex-aluno da Universidade Católica de Pernambuco. Além de construir e reformar, o grupo composto de três arquitetos, um designer, dois técnicos e dois estagiários também pretende capacitar mão de obra.
Jonatha Rafaell ao lado de Samille Germana e a equipe da Abra. Foto: Felipe Ribeiro/JC Imagem
O treinamento será gratuito, preferencialmente para moradores das comunidades onde o trabalho é realizado, e as pessoas capacitadas poderão integrar o cadastro de mão de obra da empresa de arquitetura. “Já desenvolvemos projetos em 43 localidades do Grande Recife e em três do interior do Estado”, informa o arquiteto. O grupo divulga as ações em redes sociais, pelo Instagram (abra.arq) e pode ser contactado pelo número (81) 99500-5744.