#Reencontros

Rivânia: ''Quero estudar para ser alguém no futuro''

O JC publica reportagens em textos, fotos e vídeos, para contar a vida de personagens que, com suas histórias, marcaram o noticiário. No primeiro dia da série #Reencontros veja como está a menina que salvou os livros da enchente em Várzea do Una

Cleide Alves
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Cleide Alves
Publicado em 08/09/2019 às 9:00
Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem
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Rivânia Rogéria do Ramo Silva tinha 8 anos de idade em 2017 quando ouviu um conselho da avó: pegue o que você tem de mais precioso e coloque na mochila porque a enchente do rio vai inundar a casa. Antes que a água cobrisse metade da moradia, numa rua simples de Várzea do Una, distrito de São José da Coroa Grande, município do Litoral Sul de Pernambuco, ela salvou dois livros escolares (um de história e outro de ciências), duas mudas de roupa e um par de sandálias. “Eram os livros que estavam em casa, os outros estavam no colégio”, recorda a menina, dois anos depois do Rio Una transbordar e deixar um rastro de destruição no litoral e na Mata Sul.

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A história de Rivânia poderia ter passado despercebida no vaivém de jangadas que faziam o socorro das vítimas do alagamento. Mas a menina agarrada à mochila, molhada da cabeça aos pés, com frio e sozinha na embarcação conduzida por um jangadeiro comoveu Valter Rodrigues, morador do distrito. “Aquela foto de Rivânia aconteceu por acaso, eu estava registrando todos os fatos em Várzea do Una e me deparei com a cena, eu senti uma coisa pelo jeito que ela estava e fiquei registrando”, relata Valter Rodrigues. As imagens viralizaram. E mudaram a vida da garota que, mesmo sem saber ler naquele mês de junho de 2017, salvou os livros da inundação.

Ela ganhou uma casa do apresentador de TV Rodrigo Faro, livros do governo do Estado e de outros doadores, brinquedos, roupas, calçados e alimentos. O socorro imediato acabou criando uma rede de apoio mais perene. Rivânia foi transferida da Escola Municipal de Várzea do Una para um estabelecimento particular em São José da Coroa Grande, a Escola Bíblica Cristã. É aluna do 4º ano do ensino fundamental, está superando deficiências e consegue acompanhar a turma, de acordo com a atual professora, Syrleide Almeida.

A menina que salvou os livros está com os estudos assegurados até a faculdade, desde que mantenha a frequência na escola e o interesse no aprendizado. Um empresário com vínculos familiares em São José da Coroa Grande e residente no Sudeste do País, paga as mensalidades do colégio e se propôs a financiar a educação completa de Rivânia, informa Ângela Helena Lundgren de Melo, proprietária de uma pousada no município e uma das integrantes da rede de apoio. “Entendemos que o estudo seria o mais importante”, destaca Ângela Lundgren. Ela compra o fardamento e os livros escolares, além de manter contato com o colégio. “Não adianta só fornecer, fazemos o acompanhamento”, observa.

Estudo

“De todas as doações, o estudo é o que vai ficar para Rivânia, a gente sempre conversa e explica para ela a importância de aproveitar essa oportunidade”, acrescenta Michele Belo, integrante da Associação de Turismo de São José da Coroa Grande e uma das fundadoras do grupo que assumiu a tarefa de ajudar a criança. Enquanto morava em Várzea do Una, a 10 quilômetros de distância da nova escola, um colaborador pagava o transporte individual para o deslocamento de Rivânia. Ela está matriculada na escola particular desde o segundo semestre de 2017.

Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem
Rivânia na casa onde morava em 2017 no distrito de Várzea do Una, em São José da Coroa Grande (PE) - Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem
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Desde o segundo semestre de 2017 Rivânia estuda em uma escola de São José da Coroa Grande - Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem
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Uma das brincadeiras preferidas de Rivânia é acompanhar os avós, pescadores, na praia - Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem
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Rivânia sonha em ser pediatra ou trabalhar em banco para ajudar as pessoas necessitadas - Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem
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Uma rede de pessoas solidárias financia a educação de Rivânia numa escola particular - Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem
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A menina mora com os avós maternos, Eraldo Luiz de Lima e Maria Ivone da Silva - Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem
 

Há cinco meses, os avós da menina, com quem ela mora, resolveram alugar (com orientação jurídica) a casa doada por Rodrigo Faro em Várzea do Una e se mudaram para São José, levando os móveis que receberam do apresentador. A residência, alugada, fica a um quilômetro da escola. “Se eu estiver viva e ela continuar morando comigo, esse senhor vai bancar a escola toda”, afirma Maria Ivone da Silva, 67 anos, avó materna de Rivânia. “Ela nasceu e se criou na minha casa”, diz Maria Ivone, aposentada pelo INSS com um salário mínimo.

O avô materno da garota, Eraldo Luiz de Lima, pescador de 62 anos, costuma acompanhá-la pela manhã até o ponto de ônibus onde o transporte escolar estaciona para o embarque de alunos. “Ela é uma alegria em casa”, descreve Eraldo Luiz. “Nunca pensei que por causa de livros a vida dela ia mudar tanto”, comenta Maria Ivone.

Segunda filha entre cinco irmãos, Rivânia fez 10 anos em 1º de abril de 2019. Gosta de história do Brasil e de matemática, de brincar de boneca, de andar de bicicleta, de ler livros (sim, ela aprendeu a ler) e de nadar. Neta de pescadores, ela tem fascínio pelo mar. “Sei nadar cachorrinho, aprendi vendo a minha avó, eu achava lindo ela nadar”, diz Rivânia. Com voz mansa, ela mostra a “livreira” doada por Rodrigo Faro, no quarto de dormir, onde guarda parte dos livros que ganhou.

Biblioteca

“Alguns ainda estão na caixa, são muitos, não consegui ler todos. Dei alguns à tia da biblioteca da escola”, declara. “Nem todos eu gosto da leitura, Peter Pan é o que eu mais gosto, li cinco vezes. Ali Babá e os 40 Ladrões só li duas vezes”, relata. Entre os preferidos está Seres dos Recifes de Corais, que pegou emprestado na biblioteca do colégio, como tarefa escolar. Rivânia sonha em ser pediatra ou, quem sabe, trabalhar em banco. “Queria ser pediatra porque gosto muito de recém-nascido. No banco eu poderia ajudar os outros, as pessoas que precisam”, diz, ao explicar as escolhas.

Depois de mostrar a quantidade de livros que tem em casa, ela avisa que pretende abrir uma biblioteca para emprestar os volumes a crianças e adolescentes da vizinhança. O espaço vai funcionar na casa onde ela vive com os avós e a irmã mais velha, no bairro Lívio Tenório. “Acho que vai ter muita gente interessada, tem gente que não tem condições de estudar numa escola como eu. Vou colocar uma placa em casa indicando a biblioteca”, planeja Rivânia.

O sistema, diz ela, será o mesmo da biblioteca da escola. A pessoa vai pegar o livro na segunda-feira e devolver na sexta. O nome, a data do empréstimo e da devolução ficarão anotados num papel. “Não vou pedir nada para emprestar os livros, apenas que a pessoa pegue e devolva. Tudo o que eu tenho eu divido com os outros”, afirma a menina. Simples assim.

Os dois livros que mudaram a vida de Rivânia Rogéria ainda estão com ela. “Quando eu morava em Várzea do Una, muita gente ia lá em casa pedir para ver e pegar os livros, guardei para não rasgar, vou guardar para sempre.”

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