Quem conhece a história da Revolução Pernambucana de 1817 sabe que o movimento de caráter separatista durou apenas 74 dias, de 6 de março a 19 de maio, e que os republicanos foram derrotados pelo governo português. Em palestra no câmpus Recife da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), na noite dessa segunda-feira (11), o professor do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF) Carlos Gabriel Guimarães trouxe uma informação curiosa: a coroa portuguesa usou dinheiro de negociantes e traficantes de escravos na repressão aos revoltosos.
“É um assunto interessante e complexo”, afirma o historiador da UFF horas antes da palestra de abertura do 4º Encontro Nacional do Núcleo de Estudos do Mundo Atlântico e 2º Encontro Nacional do Núcleo de Estudos de Impérios Coloniais. O evento continua nesta terça-feira (12) e quarta-feira (12) no prédio do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH-UFPE). “A coroa portuguesa requisitou donativos junto a negociantes e traficantes de escravos do Rio de Janeiro para ter recursos e combater os revoltosos pernambucanos de 1817”, declara o professor Carlos Gabriel Guimarães.
Esse tipo de cobrança, segundo ele, era uma prática corriqueira. “Quando houve o terremoto de Lisboa em 1755 a corte lançou várias subscrições (para reconstruir a cidade) e negociantes da Bahia pagaram, mas reagiram contra os donativos”, exemplifica. O surpreendente, nesse caso, é a coroa usar a receita extraordinária para reprimir um movimento revolucionário, destaca. “Várias pessoas participaram, mas principalmente os negociantes e traficantes de escravos do Rio, com uma grande parcela, algo em torno de 120 contos e isso era muito dinheiro na época.”
Como nada vem de mão beijada, em troca da ajuda financeira os comerciantes ganhavam comendas e outros títulos honoríficos. “Mais tarde, também faziam solicitações e pediam mercês ao rei, para eles e para os filhos, como sesmarias. Era uma relação de serviços e se você reparar bem essa prática de dar e receber continua existindo até hoje no Brasil, quem fazia no passado e permanece fazendo é a elite”, comenta o professor na palestra Negócios de corte: os homens de negócio da praça do Rio de Janeiro, o tráfico de escravos e os subsídios para a manutenção do reino (1808-1821) realizada na UFPE.
Um dos traficantes de escravos que doou recursos para a coroa foi o português residente no Rio de Janeiro João Rodrigues Pereira de Almeida, o Barão de Ubá, que empresta seu nome a duas ruas no bairro da Tijuca (Rua Pereira de Almeida e Rua Barão de Ubá), diz o pesquisador. “A Rua Velho da Silva, na região da Glória, remete a uma família de negociantes de escravos”, observa.
Interesses
“João Rodrigues Pereira de Almeida era deputado da Real Junta do Comércio e diretor do Banco do Brasil. Essa junta, criada no Rio de Janeiro quando a corte se instalou no País, era importantíssima porque ordenava a legislação mercantil, mas também fazia valer interesses dos negociantes”, relata o historiador. “Com João Rodrigues na junta foi aberto um caminho ligando o Rio de Janeiro a uma região chamada Médio do Vale Paraíba Fluminense, onde havia engenhos, roças e fazendas de café.”
A palestra desta terça-feira (11) tem como tema Entre brancos e pretos: os pardos e a sociedade no Recife no final do século 18, com o historiador Gian Carlo da Silva (UFAL), às 19h. Na quarta-feira (13), no mesmo horário, o historiador João José Reis (UFBA) fala sobre Alforrias por substituição: um tema negligenciado pela historiografia da escravidão.
O encontro na UFPE, denominado Histórias Atlânticas: conexões/reconexões - séculos 16-19, é organizado pela historiadora Élida Nathalia Olimpio da Silva. Na programação há mini curso (8h às 12h), simpósio temático (14h às 16h), mesa redonda (16h30 às 18h30) e lançamento de livros (18h30 às 19h).