juiz Abner Apolinário da Silva

Conheça o juiz que prioriza julgamento por feminicídio

Titular da 4ª Vara Criminal da Capital, o juiz Abner Apolinário da Silva concedeu entrevista na Rádio Jornal

Felipe Vieira
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Felipe Vieira
Publicado em 14/11/2019 às 5:35
Foto: André Nery/Acervo JC
Titular da 4ª Vara Criminal da Capital, o juiz Abner Apolinário da Silva concedeu entrevista na Rádio Jornal - FOTO: Foto: André Nery/Acervo JC
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Titular da 4ª Vara Criminal da Capital, o juiz Abner Apolinário da Silva concluiu, na última segunda-feira, em menos de dois meses, o processo em torno de um crime de feminicídio no Recife – Kaleu Cristian Silva Regueira, 24 anos, que matou queimada Samara da Costa Mendes, 18 anos, no dia 23 de setembro, no bairro de Santo Amaro, área central da capital pernambucana. Ele ateou fogo no corpo da companheira após uma discussão entre os dois. Em entrevista ao programa Balanço de Notícias, da Rádio Jornal, na tarde desta quarta-feira (13), Abner Apolinário explicou que pretende, a partir de agora, julgar casos semelhantes em um prazo que varie entre 15 e 30 dias. Para poder priorizar os júris relativos a feminicídio, o magistrado explica que precisou livrar-se do excedente de processos parados na vara em que trabalha. Para isso, não houve outra receita senão dedicação total ao trabalho. “Minha casa é o fórum, eu vivo aqui”. Segundo ele, qualquer juiz pode ter o mesmo entendimento e, assim, priorizar os julgamentos de crimes cometidos contra a mulher simplesmente pela condição de mulher. “Feminicídio é uma pandemia. É o homem que se entende divinizado e acha que pode triturar a mulher. É algo inaceitável dentro de um Estado democrático de direito”, ressaltou.

Veja o especial do SJCC sobre feminicídio

Confira a entrevista abaixo

JORNAL DO COMMERCIO – Por que definir metas para priorizar os julgamentos de casos de feminicídio na vara criminal em que o senhor é titular?
ABNER APOLINÁRIO – Estabeleci isso em janeiro deste ano. Entendo que o feminicídio é uma praga maldita, desgraçada. É uma combinação de ódio e ciúme que é uma covardia com relação à mulher. É o macho que se entende divinizado que tritura tudo que é mulher. Para ele, a mulher só serve quando tem a perspectiva sexual, de comprazê-lo com prazer. Depois disso, ele é o machão que dá ordens e tritura tudo. Isso é abominável e inaceitável dentro do Estado democrático de direito.

JC – No início da semana, um homem foi julgado e condenado em um prazo de 50 dias após ter cometido o crime. Em geral, qual é a média para que um caso semelhante seja concluído dentro do Judiciário?
ABNER APOLINÁRIO– Eu disse aos meus assessores: preciso que, havendo o feminicídio, indo para a delegacia, que a delegacia mande em tempo hábil, que o promotor denuncie, tudo seja feito o mais rapidamente possível. São quatro tribunais do júri na capital. Se (o caso) vier pra mim, quero ver se faço em 15, 20 ou 30 dias, no máximo. Chegou para mim, eu coloco para julgar. Temos que desestimular essa prática desgraçada. Em Roma, mulheres, crianças e escravos eram coisas, os proprietários faziam o que queriam com eles, infelizmente. Mas estamos no Estado democrático de direito, é impossível aceitar isso. Também entendo que uma Justiça tardia nesses casos é uma injustiça disfarçada.

JC – Essa iniciativa de priorizar os julgamentos de casos de feminicídio é sua. O senhor teria conhecimento de trabalhos semelhantes sendo feitos em outros locais?
ABNER APOLINÁRIO – Eu que coloquei (essa prioridade) na cabeça e a promotora conveio. Se ela conveio, não tem problema (refere-se ao caso Kaleu Rodrigues). No caso de ontem, o acusado entrou uma vez só, um mês e 20 dias depois da morte da mulher. Ele entrou aqui, nós fizemos a audiência o dia todo, não houve recurso do tribunal, abri a sessão do júri e ele saiu julgado. Sete horas de trabalho.

JC – O senhor considera a questão do feminicídio uma epidemia?
ABNER APOLINÁRIO – (Interrompendo a pergunta) Epidemia não, é uma pandemia! É como um trem bala desacarrilado. O cara mata porque é macho. Não dá para aceitar uma coisa dessa...

JC – Nós sabemos da morosidade de parte do Judiciário no Brasil. O que fazer para que outras varas da Justiça tenham a mesma celeridade que a sua no julgamento dos casos de feminicídio?
ABNER APOLINÁRIO– Depende do magistrado. Eu coloquei isso na cabeça e estou sendo chamado de louco, malu-cão. Pois eu prefiro ser chamado de louco e malucão mas dar uma resposta à sociedade. Quem faz isso é avis rara. Isso é um sacrifício pessoal.

JC – Em outras palavras, o senhor está dizendo que depende exclusivamente do magistrado em questão o fato de priorizar esse tipo de processo?
ABNER APOLINÁRIO– Se fizer, em vez de me sentir ofendido, eu vou bater palmas e achar muito interessante. Em 2017 julgamos 225 processos, em 2018, 305. Em dois anos, foram 532 júris realizados. Significa dizer que meu estoque, que eu chamo de “estoque maldito de processos”, foi debelado. Hoje eu tenho uma pauta que me dá conforto para, se chegar um caso desse (feminicídio), eu priorizar. De uma forma geral, os casos devem ser colocados por ordem de chegada. Atualmente estou pescando processos para fazer júri em dezembro. Em uma capital, isso é absolutamente inacreditável por conta desse trabalho. Esse trabalho de 523 júris em dois anos é um trabalho de sábado, domingo, feriado, dia santo, qualquer hora. A rigor, o fórum é minha casa. Eu vivo aqui. É um sacrifício ao qual ninguém quer se submeter.

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