zona norte do recife

Morro da Conceição abraça todas as religiões sob os pés de Nossa Senhora

Nascido do ventre da Virgem Maria, o bairro tem sua história permeada pela devoção à santa que dá nome ao local

AMANDA RAINHERI
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AMANDA RAINHERI
Publicado em 07/12/2019 às 15:30
Foto: Leo Motta/JC Imagem
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O significado literal de fé remete à crença no transcendental. No linguajar do Morro da Conceição, Zona Norte do Recife, fé é mais abrangente do que isso. A comunidade nascida e criada sob os pés de uma imagem católica – mas que cultiva a religião de inúmeras formas e matizes – manifestou sua fé quando apostou na transformação do morro em casa, quando ali só havia mata. Seguiu com fé na união das pessoas para, pouco a pouco, tornar a região um bairro digno, com alguns índices sociais até melhores que os da média do Recife. Um povo que bota fé de que investir em um negócio criado e voltado para a região pode dar muito certo... Por isso, hoje, 8 de dezembro, é dia de celebrar Nossa Senhora da Conceição, mas também de lembrar quem faz daquele pedaço da cidade um santuário único.

Uma comunidade construída em torno da fé. Assim é o Morro da Conceição, localizado na Zona Norte do Recife. Nascido do ventre da Virgem Maria, o bairro tem sua história permeada pela devoção à santa que dá nome ao local, Nossa Senhora da Conceição. Mas se engana quem pensa que só há espaço para o catolicismo na comunidade. O morro da santa abraça também outras religiões, como a evangélica, as de matriz africana e a doutrina espírita, na mais pura expressão do sincretismo religioso.
A chegada da imagem, vinda da França em 1904, marcou o cinquentenário do dogma da Imaculada Conceição.

Dois anos depois, era inaugurada pelo bispo dom Luís Raimundo Brito uma capela em estilo gótico, onde ocorriam as celebrações religiosas. O que a igreja não esperava, na época, é que o morro se tornasse um local de peregrinação e atraísse milhões de pessoas todos os anos.

“Era para ser apenas um monumento comemorativo, colocado em um local desabitado da cidade, mas começou a chamar atenção de muita gente. Primeiro, pela beleza da obra de arte. Depois, pelo fator religioso. A história do morro e a da santa estão intimamente ligadas”, destaca o padre Maílson Régis de Queirós Costa, reitor do Santuário de Nossa Senhora da Conceição.
Mas os católicos não foram os únicos a reverenciar a imagem ao longo dos anos. Para os seguidores de religiões de matriz africana, Nossa Senhora da Conceição se chama Iemanjá, a rainha dos mares. “Ela é a mãe de todos os orixás, assim como Maria é a mãe de todos na fé católica”, explica José Bonfim, pai de santo do terreiro Ilê Axé Omin Oxaguiãn, criado no morro em 1986. O terreiro é um dos dois existentes no bairro. As religiões de matriz africana com maior atuação no local são o candomblé e a jurema.

Segundo Pai Bonfim, é comum que os povos de terreiro frequentem as missas e prestem homenagens aos pés da imagem. “Nossas festividades são sempre nos dias dos santos católicos. Somos todos filhos do mesmo Deus.”
A união das diferentes doutrinas tem explicação: durante a colonização, o culto às religiões de matriz africana era proibido no País. Assim, os negros eram obrigados a cultuar seus orixás através das imagens de santos católicos.

A devoção à santa ainda faz parte da fé de um outro grupo da comunidade, os espíritas. Morador do Morro da Conceição há 18 anos, o comerciante France José Álvaro Mariante fundou, há cinco anos, o centro espírita Olhos da Vida, que realiza trabalhos sociais dentro e fora da comunidade. “Quando chegamos aqui, não havia um centro. Hoje, somos um grupo de 30 pessoas”, conta o kardecista. Desde que iniciou a atuação, o grupo espírita se dedica à caridade na comunidade. “Distribuímos sopão uma vez por mês no Centro do Recife e também aqui no Morro. Além disso, também fornecemos cadeiras de roda e camas hospitalares a quem precisa.”

Os frequentadores do centro, segundo ele, são, em sua maioria, devotos de Nossa Senhora da Conceição. “A santa não tem religião, ela é a mãe de todos nós. Frequentamos as missas, e outras pessoas, de diferentes religiões, também frequentam o nosso centro. É uma convivência muito boa.”

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O dia 8 de dezembro é dedicado a Nossa Senhora da Conceição - Foto: Leo Motta/JC Imagem
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O Morro da Conceição é símbolo de luta e resistência - Foto: Leo Motta/JC Imagem
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A Praça do Morro da Conceição é um espaço público usado por todos - Foto: Leo Motta/JC Imagem
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"As pessoas podem, sim, celebrar da maneira que achem mais bonito", disse o religioso Maílson Régis - Foto: Leo Motta/JC Imagem
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"É um convívio muito respeitoso. A prática do Evangelho é o amor", disse Anderson de Santana - Foto: Leo Motta/JC Imagem
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"Nasci e cresci no Morro. Somos todos filhos do mesmo Deus", lembra Pai Bonfim - Foto: Leo Motta/JC Imagem
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O Morro da Conceição é um lugar onde se come bem - Foto: Leo Motta/JC Imagem
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No quesito culinária, Dona Geralda é a sensação do Morro - Foto: Leo Motta/JC Imagem
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"Nas segundas-feiras, a minha sopa faz sucesso", garantiu Jacilene da Conceição - Foto: Leo Motta/JC Imagem
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Lula Lanches faz sucesso no Morro com seu hamburguer gourmet - Foto: Leo Motta/JC Imagem
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Ana Paula Guedes é uma das idealizadoras do grupo de samba reggae Obirin - Foto: Leo Motta/JC Imagem
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"O Morro é minha base. Foi e continua sendo minha escola", disse o Mestre Pinha Brasil - Foto: Leo Motta/JC Imagem
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Suelane e Anderson são totalmente ligados às manifestações no Morro da Conceição - Foto: Leo Motta/JC Imagem
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"Nunca fomos um lugar isolado no Recife", afirma dona Severina Paiva de Santana - Foto: Leo Motta/JC Imagem
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"Aprendi a cozinhar com uma senhora que trabalhava para os patrões", disse Geraldina dos Santos - Foto: Leo Motta/JC Imagem
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"Meu sonho como empresária é montar uma doceria na Zona Norte", disse Viviane Assis - Foto: Leo Motta/JC Imagem
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Nascido no Morro, Valmir Ferreira gosta de cozinhar para muita gente - Foto: Leo Motta/JC Imagem
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Surgimento de novos negócios, como o de Thiago Barbachan, dinamiza a economia do Morro - Foto: Leo Motta/JC Imagem
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"Hoje tenho seis funcionários na minha empresa, todos moradores do Morro", disse Paulo Manoel - Foto: Leo Motta/JC Imagem
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"Minha casa vira uma festa durante a Festa do Morro", disse Célia Mamede da Silva - Foto: Leo Motta/JC Imagem
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A calmaria toma conta entre as ruas estreitas - Foto: Leo Motta/JC Imagem
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O Morro da Conceição é de todos, para todos - Foto: Leo Motta/JC Imagem

Entenda o sincretismo religioso

A esse processo de assimilação entre práticas religiosas se dá o nome de sincretismo. “Ele existe ao longo da história, em todas as culturas. Uma religião acaba assimilando elementos de outra e os ressignificando”, explica Gilbraz Aragão, doutor em teologia e professor na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Segundo ele, a influência não é de mão única. “O catolicismo, quando chega ao Brasil, negocia com os indígenas e os escravos. Há a substituição de um santo por outro ou a assimilação entre santos. É o que acontece com Nossa Senhora e Iemanjá.

”Frequentemente, o processo não é pacífico. “Normalmente, ele vem envolvido com certa dose de violência, seja ela física ou simbólica”, completa. Pastor da Igreja Presbiteriana Missionária Pentecostal, fundada há cinco anos na comunidade, Anderson de Santana defende que o segredo para a boa convivência é o respeito. “Concordando ou não, todos se respeitam. A prática do Evangelho é o amor”, afirma ele, que já foi católico, antes de se tornar evangélico. A igreja também realiza trabalho social junto aos grupos mais carentes da comunidade, com a distribuição de cestas básicas.

Além da presbiteriana, o Morro da Conceição ainda tem outras duas igrejas evangélicas, uma Assembleia de Deus e outra Igreja Batista. Segundo o pastor, o número de fiéis tem aumentado nos últimos anos. Atualmente, 32 pessoas frequentam os cultos semanalmente.

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