Folia

Veja o encontro do sagrado com o profano no Carnaval de Olinda

O Bloco da Saudade recebe a bênção de monges beneditinos antes do Carnaval. Cariri Olindense e a Igreja de Guadalupe reúnem diversas agremiações da cidade para o ritual da benção dos blocos

Cleide Alves
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Cleide Alves
Publicado em 24/01/2020 às 17:01
Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem
O Bloco da Saudade recebe a bênção de monges beneditinos antes do Carnaval. Cariri Olindense e a Igreja de Guadalupe reúnem diversas agremiações da cidade para o ritual da benção dos blocos - FOTO: Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem
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Desde 1996, o Bloco da Saudade cumpre um ritual no Mosteiro de São Bento, na Cidade Alta de Olinda. Na semana pré-carnavalesca, integrantes da agremiação, com suas fantasias coloridas, vão ao convento e recebem a bênção de frades beneditinos. É o território sagrado do Sítio Histórico abrindo passagem para a festa profana do Carnaval. “Esse momento já faz parte da nossa tradição e não pode deixar de acontecer”, destaca Izabel Bezerra, presidente do bloco lírico.

A história começou em 1994, quando o Bloco da Saudade resolveu dar uma voltinha no pátio do mosteiro, na semana que antecede o Carnaval. “Notamos que os monges estavam na varanda olhando o bloco, então fomos nos aproximando do prédio, eles olham para a gente e a gente olhava para eles”, recorda Izabel Bezerra. No ano seguinte, um monge abriu uma janelinha na sacada do prédio para espiar o bloco. Em 1996, ele abriu a porta lateral de acesso ao convento e abençoou o grupo.

 Ritual do Bloco da Saudade tem 24 anos. Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem

Dois anos depois, em 1998, ao chegar ao mosteiro o bloco já encontrou a porta da igreja escancarada e dom Félix Bruneau, o monge da janelinha (falecido), convidando os carnavalescos para entrar no templo. “Foi um impacto para todos nós, nunca imaginamos que eles abririam a igreja, foi emocionante quando nossa orquestra de pau e corda tocou a Oração de São Francisco”, relata Izabel. A bênção é feita sempre na terça-feira da semana pré (18 de fevereiro em 2020), às 20h, no acerto de rua da agremiação, fundada há 46 anos.

“Em Olinda, quem carrega o andor da procissão também carrega o estandarte da agremiação, não há como separar uma coisa da outra. E assim como as igrejas católicas suspendem as atividades no Carnaval, liberando os foliões para três dias de pecado, terreiros de candomblé, umbanda e jurema fecham nesse período”, afirma a historiadora do Arquivo Municipal de Olinda Aneide Santana.

Guadalupe

Blocos e troças de Carnaval, diz ela, mantém relações de proximidade com templos católicos, como Elefante com a Igreja do Bonfim, Pitombeira com a Igreja de São Pedro, O Homem da Meia Noite com a Igreja Rosário dos Pretos e Cariri com a Igreja de Nossa Senhora de Guadalupe. “Eu costumo dizer que tenho três casas: o lugar onde moro, a sede de Cariri e a Igreja de Guadalupe”, declara Roberto Ferreira dos Santos, diretor patrimonial da troça, fundada em 15 de fevereiro de 1921.

Ano passado (2019), Cariri Olindense e a igreja criaram a bênção dos blocos. Na primeira edição, cerca de 50 agremiações participaram da cerimônia, no pátio da igreja. “Os grupos se encontraram no Amparo, na frente da sede do Clube Vassourinhas, e vieram num cortejo animado por orquestras de frevo até Guadalupe. O padre rezou a missa e jogou água benta nos estandartes, nos bonecos, nos instrumentos, foi muito bonito”, diz Roberto Ferreira.

 Cariri faz 100 anos em 2021. Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem

A segunda edição da bênção dos blocos será em 7 de fevereiro de 2020, às 19h. “É a igreja liberando as agremiações para o Carnaval, Cariri tem uma ligação muito forte com Guadalupe, somos parceiros e nos respeitamos em nossos momentos festivos”, comenta Roberto Ferreira. A sede da troça fica quase na frente da igreja e os domingos, se tiver festa na casa, o som é interrompido às 16h para não atrapalhar o horário da missa, às 17h.

Cariri, na Quarta-Feira de Cinzas, não abre a sede pela manhã, porque tem missa na igreja, informa Roberto, ao citar a celebração na qual o padre faz o sinal da cruz com cinzas na testa dos fiéis e dos foliões, encerrando o Carnaval e abrindo o período da Quaresma no calendário cristão. Com o mesmo respeito, o Bacalhau do Batata silenciou a orquestra ao passar na frente da Igreja de São Sebastião, onde era realizado um velório numa Quarta-Feira de Cinzas.

“Acontece que o velório era de um arquiteto, defensor do patrimônio histórico de Olinda e amante da folia. A pedido da viúva, o Bacalhau voltou a tocar e todos cantaram juntos ‘a nossa vida é um Carnaval, a gente brinca escondendo a dor’, é bem a cara de Olinda essa mistura espontânea”, conta Aneide Santana.

Proteção divina

Pedir a bênção de Deus sobre blocos e troças é rogar pela proteção divina aos grupos que trabalham no Carnaval para que os foliões se divirtam, explica padre Marlon Lauriano, pároco de Guadalupe. “Ano passado, a bênção estava vinculada aos 50 anos de fundação da paróquia, mas decidimos dar continuidade ao ritual e pedir que Deus proteja as agremiações de todos os males, que são potencializados na festa em brigas e confusões”, diz o sacerdote.

 Bênção no Guadalupe em 2019. Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem

A igreja de Guadalupe, comenta padre Marlon, está próxima das agremiações porque encontra-se inserida num ambiente carnavalesco, o Sítio Histórico de Olinda. “Além disso, pastoralmente falando, esse é o meu povo”, destaca, ao explicar o significado da bênção dos blocos.

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