Completa exatamente um ano, neste sábado (15), o decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), flexibilizando a posse de armas no País. Naquela ocasião, o alerta foi dado: as mulheres serão as maiores vítimas. Um revólver na mão potencializa os riscos de um marido agressor elevar, ainda mais, os já altíssimos índices de assassinatos no ambiente doméstico. A morte de Leandra Jennyfer da Silva, 22 anos, na madrugada do último domingo (9), é a estatística gritando: arma dentro de casa encoraja o feminicídio.
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Em defesa da vida das mulheres, essa realidade não pode ser ignorada. Os números do projeto #UmaPorUma, que contabilizou todas as mulheres assassinadas em Pernambuco no ano de 2018, dão a dimensão da tragédia. Das 85 mulheres mortas por crime de gênero, 30% foram assassinadas com arma de fogo. Desse universo, 72% morreram dentro de casa. É uma combinação fatal: posse, violência, arma, morte.
Tudo na história da jovem fotógrafa, assassinada pelo marido (ele confessou o crime e está foragido), na frente do filho do casal, evidencia um padrão de relacionamento abusivo cujo desfecho, infelizmente, é recorrente. Apesar das fotos felizes nas redes sociais, o casal tinha uma rotina de violência, imposta pelo sentimento de posse do marido, disfarçado pelo que se costuma chamar de ciúmes. Ao ponto dele instalar câmeras para controlar os passos da mulher. Aqui cabe um basta: é preciso parar de normalizar (e justificar) a expressão dessa posse. Ciúmes não é, nem nunca será, prova de amor.
Somos o quinto país que mais mata mulheres no mundo, de acordo com números da OMS (Organização Mundial da Saúde). Mesmo com leis protegendo as vítimas e punindo agressores, os índices permanecem alarmantes. Porque não é só uma questão de punir. Mas também de educar esse homem, desde cedo, a não enxergar a mulher como um objeto. Um corpo cuja propriedade é dele. Há um padrão nas mortes por feminicídio. Elas começam com pequenos abusos, sinais sutis de controle emocional, que, não raro, vão avançando, avançando, até explodir na destruição total do corpo dessa mulher.
REDE DE PROTEÇÃO PRECÁRIA
Não é só punir nem educar. É preciso proteger, apoiar essa vítima de violência doméstica. Porque não é fácil interromper um relacionamento abusivo. A tal propagada rede de apoio é insuficiente para dar conta de tantos e tantos casos em Pernambuco. Faltam delegacias especializadas em cidades importantes da Região Metropolitana, como Olinda e Camaragibe. Regiões do Estado, como a Zona da Mata, até hoje esperam por uma assistência especializada.
Após o crime, os vizinhos falaram das agressões cometidas por Raphael Cordeiro Lopes, 32 anos, contra a esposa. A família afirmou que era contrária ao relacionamento. Costuma ser assim. Uma morte anunciada. O assassinato brutal de Leandra Jennyfer joga na nossa cara, mais uma vez, a incômoda constatação do quanto ainda nos falta para garantir uma existência segura para as mulheres. Sobretudo dentro de casa.