O Galo da Madrugada tem uma energia contagiante. Mistura de euforia com alegria, fantasia e suor, o bloco faz uma multidão de gente “ferver” debaixo de um sol escaldante na manhã do Sábado de Zé Pereira. É assim há 39 carnavais. Os cantores Almir Rouche, André Rio e Nena Queiroga são artistas identificados com o “Maior Bloco de Carnaval do Mundo Segundo o Guinness” e já conhecem bem a emoção que é – são veteranos neste ofício. Fred Zeroquatro, com a sua Mundo Livre S/A, faz sua estreia no desfile de hoje, que homenageia um dos maiores mitos da música pernambucana do fim do século passado – o mangueboy Chico Science – pela passagem dos 50 anos de nascimento.
“A gente passa o ano todo esperando o Galo”, resume o cantor recifense Almir Rouche, que estará comandando o segundo trio elétrico (são 22, ao todo). Almir é um dos cantores mais esperados pelos foliões que lotam as ruas do Centro do Recife. “Somos os súditos do Galo”, diz ele, há 30 anos se apresentando no bloco. Neste ano, em homenagem a Chico Science, Almir Rouche prepara figurino especial: vai juntar referências ao movimento mangue e às roupas que o líder da Nação Zumbi costumava usar. “Chico gostava dessas roupas de camelô. Vou sair daqui e ir ali no centro comprar umas coisas e juntar com outras que tenho. Quero fazer essa homenagem assim”.
Um dos primeiros cantores pernambucanos a levar as músicas da Nação Zumbi ao Galo da Madrugada, Almir Rouche lembra que entre um dos momentos mais emocionantes que viveu num desfile do bloco foi no ano da morte de Chico Science. “Ele morreu poucos dias antes do Galo. A minha fantasia daquele ano era um anjo estilizado. Quando chegamos na Avenida Guararapes, alguém da banda me deu um chapéu de palha, e eu estava de óculos de sol. A gente estava justamente na parte do repertório em que tocávamos maracatu e emendávamos com A Praieira. Foi um momento emocionante. Eu vi depois a cena que foi gravada pelas TV. Teve um encaixe e uma sinergia.”
Outros dois artistas que sempre arrastam uma multidão de gente atrás dos seus trios elétricos, no Galo, são André Rio e Nena Queiroga. De frevo a caboclinho, passando por maracatu, coco e um axé bem nosso, eles animam o povo com muita energia durante seis horas de percurso (o equivalente a quatro shows). Neste ano, claro, o repertório, que já tinha música de Chico Science, vai ser reforçado: além de A Praieira, eles cantam Manguetown e Rios, Pontes e Overdrives.
André e Nena, aliás, são autores de uma dos hinos indispensáveis no Carnaval pernambucano: Chuva de Sombrinhas. “A gente ver aquele mar de gente sem fim, cantando Chuva de Sombrinha, é um enorme presente”, confessa André. “Mas é bom lembrar que nós, cantores, temos outra função além de entreter, a de conscientizar as pessoas. Eu sempre faço questão de falar sobre a violência contra mulheres, lembrar que não se deve beber e dirigir e usar sempre camisinha”, diz Nena, que dividirá o trio com Gaby Amarantos, Luiza Possi e Ayrton Montarroyos.
Dois maestros do Galo, Spok e Forró, também vão celebrar o homenageado. Se A Praieira é uma constante nos repertórios dos dois, eles devem tocar ainda mais canções. A Spok Frevo Orquestra vai receber Otto e Lira no seu trio e promete tocar, entre outras, Maracatu Atômico e Malungo. Já Maestro Forró promete também Maracatu Atômico e deve vir com pot-pourri de outros hits do manguebeat.
DESAFIO
Para a Mundo Livre S/A, a principal atração do Galo deste ano, o desfile é um novo desafio após 32 anos de carreira. “A gente já tocou no Marco Zero no Carnaval, no Festival de Inverno de Garanhuns e pegou alguns festivais grandes, mas não nesse nível do Galo. A grande novidade, além da multidão, é o público, o mais heterogêneo que a já pegamos”, diz o vocalista Fred Zeroquatro.
“E tem também o lance da duração e da intensidade, de ser uma coisa no formato do trio elétrico, debaixo dessa ‘lua’ das 11h da manhã. Tudo é um desafio a mais. E temos esse desafio pela primeira vez depois dos 50”, observa o músico. Com 53 anos nas costas, Fred dedicou-se para seguir na maratona de quase cinco horas tocando. Fiz uma preparação tanto mental tanto física. Isso inclui academia, complexos vitamínicos e alimentação balanceada”, diz ele.
Zeroquatro sempre se posicionou contra o formato de Carnaval com trios elétricos. Mas ele esclarece que o caso do Galo é particularmente diferente: “O trio remete a um gênero das micaretas fora de época e Carnaval da Bahia que ficou muito associado a essa história do cordão de isolamento, da privatização da rua. É essa forma de Carnaval que a gente não associa com Recife, que tem uma folia de chão, de rua. Eu comecei a curtir o Carnaval no corpo a corpo de Olinda, mas a experiência de estar num palco com som potente como o do Galo, que não tem cordão, eu vejo como uma oportunidade que essas bandas mais independentes do Estado nunca tiveram. A organização nos deu total autonomia”.
Na homenagem a Chico, o repertório inclui os clássicos A Cidade, Praieira, Etnia e Rios, Pontes e Overdrives, faixas do disco Mundo Livre S/A vs Nação Zumbi (2013), no qual uma banda interpreta músicas da outra. “A gente passou um tempão incluindo essas músicas no setlist. Depois de um tempo parou, mas com esse convite resolvemos retomar. E como o show do Galo é um clima de festa, os arranjos foram modificados e vão surpreender pela novidade e pegada mais enérgica. Fora isso, tocamos basicamente músicas da Mundo Livre que o público conhece, como Meu Esquema, numa versão mais animada”, antecipa.