Iara Bezerra de Oliveira tem 67 anos e uma disposição para brincar Carnaval de dar inveja a muitos jovens. Nos quatro dias de festa ela “tá no meio do povo”, além de participar das prévias. Oficialmente, desfila no Bloco Lírico Flor da Lira, um dos mais tradicionais de Olinda. Mas, quando tem folga, vai para a Pitombeira dos Quatro Cantos, passa na Ceroula, espera o Homem da Meia Noite e vagueia nas ladeiras. Para aguentar o tranco, começa a tomar vitaminas um mês antes. Além disso, gosta de se alimentar bem nos dias de folia, para não sentir fome durante a farra e não passar por situações inusitadas, como a de uma colega do Flor.
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“Estávamos prestes a sair com o bloco no Aurora dos Carnavais (evento que reúne blocos líricos na Rua da Aurora, bairro de Santo Amaro, área central do Recife). De repente, uma das desfilantes disse que não tinha lanchado, apanhou uma fruta do chão e começou a comer”, relatou Iara. Ninguém sabe até hoje qual era a fruta. Supõe-se que seja oiti, o que mais tem na região. Mas a fome da moça entrou para a história do Flor da Lira. “Todo mundo falava ‘menina, solta essa fruta, estava no chão’. O diretor veio correndo, porque o bloco já ia sair e as pessoas estavam olhando, mas ela não se preocupou. Respondeu ‘o que é que tem? Está limpa’ e continuou comendo”, recordou.
Carnaval para Iara é “uma das coisas mais maravilhosas que existem”. “Meus filhos costumam dizer que eu não posso ouvir uma lata bater que corro para a janela”, confessou. A paixão pelo frevo teve início ainda na infância, em Arcoverde, Sertão de Pernambuco, onde nasceu. Aos 9 anos, costumava assistir à matinê carnavalesca realizada pelo Sport Clube do Recife. Depois, com 23 anos, Iara casou e mudou-se para Olinda, onde mora até hoje e onde conheceu a folia de rua. Mas era muito diferente brincar ao lado do marido. “Eu quase não podia dançar. Quando resolvi a situação, a primeira coisa que me veio à cabeça foi entrar num bloco lírico, porque eu tinha uma vontade imensa de desfilar no Carnaval.” Iara separou-se do marido há 13 anos e, segundo ela, encontrou a liberdade para viver o Carnaval como sempre quis. “Eu ficava roendo por não ser de um bloco lírico. Hoje eu danço, vou para as prévias, para onde quero.”
O amor pela folia foi ensinado aos cinco filhos. A sexta-feira pré-carnavalesca é dia de ansiedade na família. Além do Flor da Lira, eles são apaixonados pelo Homem da Meia Noite. “Os meninos falam que sem ele não há Carnaval. E eu vou na onda”, brinca. Segundo Iara, as histórias que acabam marcando a vida e dando graça a tudo ao redor acontecem sempre nesse período. A participação do Flor da Lira nos desfiles do Bairro do Recife, por exemplo, sempre rendem anedotas.
Escapou de um 'baque'
Ano passado, Iara quase foi “atropelada” por outra desfilante da agremiação. “Nós acabamos o desfile do Marco Zero, na Segunda-Feira de Carnaval, e fizemos um cortejo até a Torre Malakoff. Quando menos esperávamos, apareceu uma TV para filmar e eu ia sendo atropelada por ela, que passou na minha frente para aparecer na televisão. Eu perguntei se a TV estava pagando a fantasia dela. Ela olhou para trás e respondeu que não, mas queria ser filmada. Eu achei um absurdo, mas tudo bem.”
Em outra ocasião, há seis anos, uma das cantoras do coral do Flor da Lira desistiu do desfile no Marco Zero por causa da chuva. Segundo Iara, a moça havia dado chapinha no cabelo e não saiu de dentro do ônibus alugado pelo bloco. “Ficaram ela e o motorista. Nós fomos dançar. Ela estava toda produzida, toda pronta, mas não quis molhar o cabelo. Até hoje a gente brinca com ela por causa disso.”