folia de momo

Carnaval 2020: frevo é maravilha de Pernambuco que nenhuma outra terra tem

Saiba tudo sobre a música que ferve o sangue dos pernambucanos e embala o ''Carnaval melhor do meu Brasil''

José Teles
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José Teles
Publicado em 07/02/2020 às 10:50 | Atualizado em 13/09/2020 às 20:17
Foto: Filipe Jordão/JC Imagem
O dia do frevo é comemorado em 14 de setembro - FOTO: Foto: Filipe Jordão/JC Imagem
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Parafraseando Lourenço da Fonseca Barbosa, o mestre Capiba, Pernambuco tem uma maravilha que nenhuma outra terra tem. É frevo, meu bem. É frevo, meu bem. Oficialmente, ele veio ao mundo em 9 de fevereiro de 1907, mas já era dançado bem antes dessa data. Sim, dançado, porque a música e a dança nasceram juntas, mas gêmeos bivitelinos. A gestação começou nas primeiras décadas do século 19. O padre Lopes Gama, árbitro dos costumes pernambucanos, não se cansava de recriminar uma nova dança surgida em meados dos anos 30 do século 19, o galope: “Em certa cidade do nosso Brasil, o galope já passa a furor. Em qualquer companhia, em guinchando a rabequinha, e ferindo o tom, já ninguém se pode ter: toca tudo a galopar, moças, velhas, rapazes e velhos, tudo entra a dar coices que, parece, vem as casas abaixo, cada um trava de seu par, e a salas, o corredor, os quartos, tudo é pequeno âmbito para o santo galope. Dizem-me já ter acontecido (valha a verdade), que um desses pares galopadores, começando na sala, foi calcorreando, espinoteando pelo corredor, e daí eclipsarão-se ambos (ele e ela), pelas escadas abaixo e ninguém mais lhes pôs o olho". (edição do JC de 6 de maio de 1837).

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São inúmeras as teorias e análises da origem do frevo, mas é inegável que o dobrado, a marcha militar é sua argamassa, à qual foram acrescentadas diversos gêneros musicais e respectivas danças que iam entrando em moda, e sendo incorporadas aos repertórios das bandas de música. Citam-se comumente duas delas, a do Quarto Batalhão de Infantaria e a do Corpo da Guarda Nacional. Mas no Recife daquela época havia muito mais bandas de músicas, todas com seus séquitos de admiradores, muitos deles capadócios, os arruaceiros, que jogavam capoeira, armavam de facas, ou cacete de pau de quiri, madeira de consistência duríssima.

Uma destas bandas de música era a Matias Lima, que ensaiava no Pátio do Livramento, e era regida por Lourenço Tomaz da Silva, irmão do célebre Maestro Zuzinha, o Capitão José Lourenço da Silva (Catende, 1889-1953). Sua principal rival era a banda Pedro Afonso (oficialmente Sociedade Filarmônica Pedro Afonso), cuja sede ficava na rua homônima, em Santo Amaro. “Os seus dobrados eram enfeitados de solos de bombo, fora do compasso, ao mesmo tempo de pancada nos pratos que por tudo fazia crescer o entusiasmo e até mesmo a coragem dos capoeiras que ladeavam a Pedro Afonso, sociedade composta de homens dispostos, capazes de enfrentar certos perigos. O seu repertório era variado e o seu mestre dotado de bom gosto, pois sempre escolhia pelas aprimoradas.”

Neste relato, pinçado de um texto de um exemplar da Revista do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano, há um detalhe importante: “Os seus dobrados eram enfeitados de solos de bombo, fora do compasso, ao mesmo tempo de pancada nos pratos”. Este “fora do compasso” é provavelmente os dobrados transformando-se no que seria chamado alguns anos depois de marcha-frevo. A citação é da banda marcial no fim do século 19.

Marcha número 1

O frevo apresenta uma peculiaridade que nenhum outro gênero musical popular brasileiro tem. É o único cujo repertório tem autor certo e sabido. Isto da nuance instrumental, o frevo de rua. Com raras exceções, frevo de rua é criado por um compositor com conhecimentos formais de música suficientes para que, além da melodia, consiga escrever arranjos e orquestra-ções e, na maioria das vezes, dirija a orquestra. Nos primórdios foram escritos por mestres de bandas, foram esses que o formataram, a exemplo, do Capitão Zuzinha, considerado um dos pais do frevo.

Paradoxalmente, o mais conhecido dos frevos de rua, A Marcha nº 1 do Vassourinhas, tem melodia inspirada em uma canção infantil portuguesa de domínio público, com incontáveis versões e adaptações (Se Esta Rua Fosse Minha). No Carnaval, mesmo quando o frevo já se tornara gênero musical definido, continuava sendo comum a adaptação de canções tradicionais, ou de sucesso. Em 1920, por exemplo, a troça Guarda-Freios em Folia saiu às ruas cantando: “O senhor Francisco Apolônio mandou me avisar/Que os Guarda-Freios, no Dia de Momo não vêm trabalhar”. Empregavam a melodia de Pelo telefone, de Donga e Mauro de Almeida.

Existem várias versões sobre o surgimento da agremia-ção, o que coincide em todas elas é a data da fundação. O Clube Carnavalesco Misto Vassourinhas surgiu em 6 de janeiro de 1889, no Dia de Reis, pois. Numa das versões, foi uma dissidência de um clube chamado Maroim Grande, cuja sede ficava no Bairro de São José, como muitas das mais importantes agremiações carnavalescas do Recife. Em 1966, um tesoureiro do clube contou ao Jornal do Commercio, que o Vassourinhas tinha nascido em Beberibe. Joana Batista, a quem se atribui a letra da marcha Vassourinhas narra como foi feita a música, num barraco, também pelo arredores de Beberibe, à luz de candeeiro, e que o clube saiu à rua pela primeira vez no Carnaval de 1900.

A versão que mais parece se aproximar da realidade é a de João Batista do Nascimento, conhecido como Nô Pavão, que presidiu o clube na primeira década do século 20. Ele relata em detalhes como o clube foi criado, e desfaz a história de que o Vassourinhas foi fundado por varredores de rua. Um tio de Nô Pavão, João Nunes do Nascimento, talhador, era amigo de Matias da Rocha, e do irmão dele Cosmo Cabeça de Pau. Nô Pavão afirma que a ideia de fundar um clube carnavalesco surgiu de um grupo de amigos, que saíram dos respectivos trabalhos e foram molhar a goela na casa de Andrade, um alfaiate que morava numa travessa próxima à Cambôa do Carmo. Alguém sugeriu que o clube fosse chamado de Vassourou. Alguém segurou uma Vassoura e outro falou “Vassourinhas”, que agradou e foi aprovado pela maioria. Não havia varredores entre eles. Nô Pavão citou nomes e ofício dos primeiros vassourinhas: “O primeiro porta-bandeira do clube, Carrinho de Almeida, era talhador; Claudino era alfaiate; João Quintão, que também foi porta-bandeira, possuía um hotel na Rua do Fogo; José Lopes trabalhava na Casa Agra, Nô Cirandinha era talhador, João de Emília era da estiva.

A marcha

Foi na gestão de Nô Pavão no Vassourinhas, em 1909, que o clube adquiriu os direitos da sua Marcha nº1, por 3$000 (três contos de réis) com documento registrado em cartório, e a assinatura dos autores, Matias Theodoro da Rocha e Joana Ramos Batista. E aí, um mistério. Na seção de Necrologia do Jornal de Recife, em 9 de agosto de 1907 (coincidentemente o ano oficial do nascimento do frevo), anuncia-se o falecimento, no Hospital Dom Pedro II, de Matias Theodoro da Rocha, aos 43 anos, solteiro.

A data da morte é de 13 de julho, e não se revela a causa. Quem teria assinado o contrato no cartório dois anos depois da morte do suposto autor de Vassourinhas? Suposto, porque a canção portuguesa foi sofrendo alterações até tornar-se apenas instrumental, o que já excluía Joana Batista da autoria. Nos depoimentos de Nô Pavão e no do tesoureiro do clube, o nome da parceira de Matias da Rocha não é citado nem como integrante dos criadores do clube.

A Marcha nº 1 de Vassourinhas foi registrada na Sociedade Brasileira de Autores Compositores e Editores de Música (Sbacem), em 10 de novembro de 1950, a bordo do navio Aratimbó, numa solenidade presidida pelo delegado da entidade, Hermes Teixeira, com a presença do presidente do Clube Vassourinhas, Severino Oliveira; do inspetor regional da Sbacem, Julio Vieira, e da representante da sociedade Mayeber Carvalho. A cerimônia fazia-se necessária para que a música pudesse ser finalmente gravada.

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