"É uma questão de respeito. Sempre me imagino no lugar daquelas pessoas." É como justifica o motorista de ônibus Willington Manuel Marques, que conduzia um Rio Doce/CDU na manhã desta terça-feira (23) e parou o ônibus para pedir que os passageiros cedessem um assento para um deficiente visual. "Se ninguém der o lugar, ele vai sentar aqui e dirigir o ônibus", anunciou no meio da viagem.
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O passageiro subiu em Olinda, na Região Metropolitana. "Vi pelo retrovisor que ele estava em pé e dei um tempinho, uma acelerada, para ver se alguém iria levantar", relatou. Como ninguém fez isso, resolveu parar o ônibus para chamar atenção dos passageiros. Foi atendido por um idoso que estava no lugar preferencial. "Tem idoso que é forte e pode, sim, dar o lugar para quem precisa mais do que ele, para o deficiente não cair e se machucar."
A atitude do motorista parece inusitada, mas, segundo o próprio Willington, é rotineira. "É o dia o dia da gente. Já teve uma jovem que estava sentada no lugar preferencial, fingindo que estava dormindo. Parei o carro, fui lá e falei: Jovem, faz um favor para mim? Dá o lugar para essa senhora?", contou. Hoje, depois do episódio envolvendo o deficiente, já aconteceu outro caso.
Toda vez que acontece isso, os passageiros levam "bronca" de Willington. "A empresa faz um treinamento com os funcionários para aprender a lidar com o público, com os idosos, com os deficientes. Mas reclamo sempre com jeito. Se disser só 'ei, dá o lugar aí', fica chato. Passar duas horas em pé também é ruim para os outros e falar dessa forma só causa arenga", brincou.
O motorista não perdoa nem os profissionais da mesma área. "Fico indignado quando um colega nosso corta a parada. Quem não tem problema? Todos têm, mas o não podemos descontar nos passageiros. É o que tento colocar em prática", disse. Isso vale também para os passageiros. "Às vezes a gente dá bom dia e ninguém responde", lamentou.
Will, como é chamado pelos usuários com quem convive, é motorista há três anos, mas já trabalha na Mobibrasil, empresa que comprou a CRT e opera a linha Rio Doce/CDU, há 18 dos 37 de vida. "Mas digo a todo mundo que tenho 26", brincou. Sempre quis ser motorista, inspirado pelo pai, que trabalhava na mesma empresa. "Acompanhava meu pai e brincava que era motorista, falando que um dia chegaria lá. O lado negativo é o trânsito, que tira a calma da pessoa. Mas gosto de ser motorista e de lidar com o público. Quero trabalhar assim até me aposentar", revelou. Até lá, enquanto muitos passageiros não respeitarem os assentos preferenciais, Will promete parar e continuar reclamando para conscientizá-los.
LEGISLAÇÃO - O ônibus conduzido por Willington, o Rio Doce/CDU, circula por Olinda e pelo Recife. Na capital pernambucana, a lei 16.713, sancionada em 2001, obriga a reserva de pelo menos quatro assentos nos coletivos para idosos, gestantes e deficientes.
A Urbana-PE, sindicato que representa as empresas de ônibus, informou que os temas abordados nas capacitações para motoristas e cobradores vão desde direção defensiva e melhor convívio com ciclistas até questões comportamentais, como cidadania nos transportes. Um dos projetos executados desde o ano passado é o Programa Qualidade no Atendimento, que tem como foco idosos e pessoas com deficiência.