Eram 20h do dia 28 de dezembro de 2015. O motorista Felipe José da Silva, de 32 anos, saía do terminal com o ônibus que dirigia, da linha 183 - Ponte dos Carvalho/TI Cajueiro Seco, da empresa São Judas Tadeu. O coletivo estava praticamente vazio, exceto por dois adolescentes, com aparência de idades entre 16 e 17 anos. Ao chegar próximo à entrada de Pontezinha, no Cabo de Santo Agostinho, na Região Metropolitana do Recife (RMR), após outros passageiros terem embarcado, os dois rapazes anunciaram o assalto, mudando para sempre a vida de Felipe.
Ninguém reagiu à investida. Os usuários que estavam no ônibus deram seus pertences aos bandidos. Um deles ficou posicionado no fim do veículo, enquanto o outro, armado, foi até a frente do coletivo pedir para que Felipe abrisse a porta sem parar completamente. "Eu expliquei para ele que, por causa do anjo da guarda, eu não poderia abrir a porta, mas ele ficou insistindo e apontando a arma para mim", lembra o motorista. O anjo da guarda é um dispositivo de segurança colocado nos ônibus que impede que os veículos trafeguem com a porta aberta.
Após muita discussão, o assaltante atirou na perna direita do motorista, forçou a porta e conseguiu saltar do coletivo. Para Felipe, sobrou a dor e impossibilidade de parar o ônibus. "Eu estava sangrando muito, mas o carro estava em movimento e eu precisava pará-lo. O tiro despedaçou meu fêmur. Tive que ter muita força para não envolver o ônibus em um acidente", diz. Após a parada, o motorista foi socorrido por uma ambulância, que o levou ao Hospital Dom Hélder Câmara, no Cabo, onde passou dois meses internado.
Foram sete cirurgias. Agora, sete meses após o assalto, Felipe já consegue andar com a ajuda de muletas, faz fisioterapia e tem acompanhamento psicológico. "Passei muito tempo andando de cadeira de rodas. Hoje em dia já não pego mais ônibus. Não consigo. Vou de táxi ou peço uma carona quando preciso sair. Eu gostava de ser motorista, mas é uma área que não tem segurança, a gente trabalha com medo", relata. Felipe trabalhava como motorista há oito anos. Pai de uma filha de um ano, ele se diz traumatizado: "É um ambiente que não confiarei nunca mais".
Estudante convive com transtorno após sofrer três assaltos a ônibus
O estudante de publicidade Edwin Lafaiete, 24 anos, se diz refém do medo e da ansiedade. Após ser assaltado duas vezes em uma parada de ônibus e sofrer uma tentativa de assalto dentro de um coletivo, eventos que ocorreram entre os anos de 2008 e 2009, o rapaz desenvolveu síndrome do pânico. Com o passar dos anos, houve uma evolução no quadro e ele acabou descobrindo que estava com transtorno de ansiedade generalizada.
Diagnosticar a síndrome não foi algo rápido. Só aconteceu em 2011. Depois dos três assaltos, Edwin passou a sentir muitas dores na barriga e enjoos. Procurou um médico, que diagnosticou uma gastrite nervosa, relacionada à ansiedade de sair de casa. Ele foi encaminhado para um psicólogo. "A ansiedade estava sendo o fator principal da minha vida. Eu estava me deixando ser levado por ela", declara. Aos poucos, o rapaz foi deixando de sair.
Edwin relata que, com o tratamento, as crises diminuíram por um tempo, mas logo voltaram. Ir à faculdade acabou se tornando algo muito difícil pois, ao ficar na sala de aula, o estudante sentia falta de ar, dor no peito, começava a suar e a tremer, sintomas de quem está tendo um ataque de pânico. "Era uma sensação como se eu fosse morrer. Foi aí que comecei a faltar aula, porque não conseguia ficar lá", afirma.
Atualmente, Edwin acompanha as aulas de casa, recebendo as informações das disciplinas por e-mail dos professores e dos colegas de classe. "A síndrome (do pânico) afeta toda a minha vida. Eu era uma pessoa antes e agora sou outra, por causa da síndrome. Sem falar nas oportunidades que já perdi, de estágio, viagens e projetos". Como tratamento, o estudante faz sessões de terapia, toma medicamentos receitados pelo psiquiatra e faz exercícios de respiração.
Pessoas que sofrem assaltos podem desenvolver transtorno de estresse pós-traumático
Cerca de 60% dos homens e 50% das mulheres vão sofrer algum tipo de trauma durante a vida. Eventos traumáticos como ser assaltado em um ônibus, ver ou sofrer um acidente e ser sequestrado são algumas situações que podem ocasionar o desenvolvimento do transtorno de estresse pós-traumático, que atinge cerca de 8% da população mundial. O transtorno pode se manifestar de várias formas, como em pesadelos, ataques de pânico ou quando a pessoa evita os locais onde os eventos ocorreram, como explica a psiquiatra Janaína Bandeira.
"A pessoa começa a lembrar, sem querer, do que aconteceu e isto pode causar ataques de pânico", acrescenta. Além do transtorno de estresse pós-traumático, existem outras condições que a pessoa pode desenvolver, como a Síndrome do Pânico (quando os ataques de pânico se tornam recorrentes) e, nos casos mais graves, o transtorno de ansiedade generalizada, como aconteceu com Edwin. Janaína conta que, desde o momento inicial, ou seja, quando o trauma ocorre, é importante perceber os sinais e procurar um acompanhamento psicológico.
Segundo ela, a pessoa que passou por uma situação traumática deve também observar se o medo está mudando a rotina, impedindo-a de ir trabalhar ou sair com os amigos, por exemplo. "Por isto a terapia é tão importante, independente se o caso for leve, moderado ou grave. O que ocorreu não vai mudar, mas com um acompanhamento psicológico a pessoa consegue modificar a forma de ver aquele acontecimento", relata.