Atualizada às 06h58, dia 19/02/2020
Era para ser um dia normal. Mas, para os passageiros do metrô do Recife, o que deveria ser uma exceção, virou regra. Na manhã desta terça-feira (18), o cenário dos frequentes transtornos com trens quebrados, estações fechadas e falhas nos mais diversos setores, deu lugar ao pânico, correria, usuários feridos, ambulâncias e paralisação da Linha Centro, afetando cerca de 250 mil pessoas. Isto aconteceu devido ao choque entre dois trens, na estação Ipiranga, que fica no bairro de Afogados, na Zona Oeste do Recife. O caso ocorreu por volta das 5h40 e pelo menos 62 passageiros precisaram ser socorridos.
Até o momento, não foram divulgadas as causas do acidente e a operação só foi normalizada às 19h dessa terça. Segundo testemunhas, os dois trens seguiam em direção à Estação Recife. Um deles, que veio do ramal Camaragibe, estava parado na plataforma. O outro, do ramal Jaboatão, acabou colidindo na traseira do primeiro. Passageiros ficaram feridos. Alguns chegaram a cair dentro das composições e a desmaiar, devido ao tumulto. Equipes do Corpo de Bombeiros e do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foram acionadas. Aproximadamente 30 pessoas foram socorridas pelos Bombeiros, enquanto 37 foram pelo Samu, que enviou onze viaturas ao local.
As vítimas foram encaminhadas para a UPA da Imbiribeira, UPA da Caxangá, Hospital da Restauração, UPA do Curado, UPA do Ibura, Policlínica Agamenon Magalhães (duas pelo Samu e quatro por demanda espontânea) e duas para hospitais particulares. Muitos já receberam alta. A professora Joseana de Oliveira, de 51 anos, estava dentro do trem que seguia de Jaboatão para Recife no momento da colisão. Assustada, ela conta que a composição estava lotada.
"A minha sorte era que eu tava sentada. Ele estava muito lotado. Quando foi se aproximando da estação, sentimos aquele impacto e todo mundo caiu no chão. Quem estava em pé não teve equilíbrio. Ainda ajudei algumas pessoas a levantar e depois a gente desceu do metrô, abrimos a porta de emergência e viemos andando pela linha", conta a professora, que seguia para o seu trabalho, em Paulista, no Grande Recife. Ela declara que sofreu uma pancada no braço, mas não precisou ser socorrida. "Quando descemos foi que vimos a situação, que tinha sido muito grave. O que estava parado teve o maior estrago", afirma.
Segundo o gerente de comunicação da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), Salvino Gomes, os trens andam em uma velocidade média de 35 km/h, mas, ao se aproximar da estação, a velocidade pode reduzir para 10 a 15 km/h. Ele explica que o metrô possui sinalização, radiocomunicação, sistema de monitoramento, sensores e até bolsas de ar para minimizar o impacto em caso de colisão, como a que aconteceu. "O metrô roda na capital pernambucana há 35 anos e nunca um acidente desta magnitude aconteceu. Nós temos a Comissão de Prevenção de Acidentes, que já foi instaurada. Vamos apurar o que realmente aconteceu para dar detalhes", acrescentou.
Salvino diz que um laudo que pode revelar o que pode ter causado o acidente só deve ser divulgado em 30 dias. "É muito cedo para a gente dar detalhes. O sistema é todo seguro. A prioridade agora é acompanhar as famílias, ver quais foram as avarias ao sistema e voltar a circular. Existem 250 mil pessoas que utilizam a linha Centro". Os constantes problemas no metrô do Recife são alvo de reclamação dos usuários. Este mês, no dia 12 de fevereiro, um problema na sinalização de vias forçou os trens a trafegarem com velocidade reduzida. Dois dias antes, uma falha no sistema elétrico fez com que os passageiros andassem pelos trilhos. A CBTU, por meio da assessoria de imprensa, enviou uma nota sobre o caso. Confira a íntegra:
A CBTU lamenta o acidente ocorrido na data de hoje na Estação Ipiranga e se solidariza com os usuários. A empresa está acompanhando e prestará assistência a todos os envolvidos. Um Comitê de Crise foi instituído e a comissão interna de acidentes já está trabalhando na análise dos fatores que podem ter contribuído para tal ocorrência, que é inédita. O Metrô do Recife possui sistema eletrônico de monitoramento que garante a segurança de tráfego, o que tem sido eficaz durante os 35 anos de operação.
Em junho de 2012, os usuários do metrô do Recife tiveram uma manhã de susto e pânico após um trem bater na traseira de outro que seguia no mesmo sentido, de Camaragibe para o Recife. O caso aconteceu na estação Coqueiral, também na Zona Oeste do Recife. Três usuários ficaram levemente feridos e foram socorridos pelo Corpo de Bombeiros na própria estação.
Secretaria cobra esclarecimentos da CBTU
Por meio do Procon-PE, a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH) notificou a CBTU ainda na manhã desta terça para que a companhia preste esclarecimentos, no prazo de 24 horas sobre as constantes falhas no serviço oferecido à população. Um processo administrativo também foi instaurado.
De acordo com SJDH, entre os pontos do processo instaurado são exigidas explicações e soluções para as paralisações do transporte metroviário, condições de uso do maquinário, necessidade de manutenção do maquinário, condições de segurança, ineficiência do serviço e planejamento de ações adotadas para melhoria do transporte e da segurança dos usuários.
Ainda segundo a Secretaria, no dia 27 de fevereiro será realizada uma audiência pública na Praça do Arsenal, no Bairro do Recife, às 9h para discutir a situação e necessidade de uma atuação conjunta com todos os órgãos interessados.
Governador fala sobre o acidente
Paulo Câmara falou com a imprensa sobre o acidente no metrô do Recife na manhã desta terça, durante Assembleia Extraordinária da Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe), ocorrida em Jardim São Paulo, Zona Oeste da cidade. O governador declarou que vai acionar o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, solicitando providências em relação ao metrô do Recife.
"Vamos investigar exatamente o que foi isso. O Procon já foi autorizado a verificar essa questão da relação de consumo, a nossa procuradoria também. O que a gente vê claramente é a necessidade de manutenção mais adequada, de uma profissionalização da gestão do metrô. A gente não pode trabalhar no improviso numa ação e num transporte que envolve tantas pessoas", disse.
Investigação do caso
Peritos do Instituto de Criminalística (IC) estiveram na estação Ipiranga na manhã desta terça e declararam que aguardam a liberação das imagens do circuito interno do metrô do Recife para avaliar a possível causa do choque. "Analisamos tudo que foi possível, com exceção das imagens, que vão ser solicitadas. Em se tratando do primeiro acidente deste tipo que ocorre desde a implantação do metrô, tem muita análise a ser feita. Não dá para dizer o que aconteceu. O que observamos foi que os sistemas de amortecimento funcionaram corretamente", disse o perito criminal Haroldo Azevedo.
A reportagem entrou em contato com a Polícia Civil, para saber se o caso será investigado pela corporação. A PCPE informou que o acidente será investigado pela delegacia de Afogados. Devido à paralisação da Linha Centro do metrô, o Grande Recife Consórcio de Transporte reforçou as linhas de ônibus para atender os passageiros.
Segundo o Consórcio, as linhas de BRT TI Camaragibe (Conde da Boa Vista), TI CDU/TI Joana Bezerra foram reforçadas para atender a população afetada pelo problema no metrô. Além destas, a linha TI Camaragibe/ Derby fará viagens alternadas para o Terminal Integrado Joana Bezerra, na área central da capital pernambucana. Ainda de acordo com o Grande Recife, as linhas convencionais Barro/Macaxeira (Várzea) e Barro/Macaxeira (BR-101) também foram reforçadas na manhã desta terça-feira (18). Com estas linhas, os usuários poderão ter acesso à linha TI Camaragibe/TI Macaxeira. Com o problema desta manhã na linha Centro do metrô do Recife, a linha especial TI TIP/TI Camaragibe será atividada e as linhas TI TIP (Conde da Boa Vista) e TI TIP (Derby) serão reforçadas.
Problemas e aumento de passagem
Em janeiro, um problema na estação Joana Bezerra paralisou a operação das linhas Centro e Sul. Desde maio de 2019, as tarifas do metrô, que à época custavam R$ 1,60, têm sofrido reajustes. Isto porque a Justiça autorizou seis aumentos escalonados da passagem. No dia 5 de janeiro, o bilhete passou a custar R$ 3,70. O último aumento está previsto para o dia 7 de março, quando a tarifa chega a R$ 4,00. A dona de casa Rosane Amâncio, de 51 anos, mora no entorno da estação Ipiranga e foi ao local quando soube do choque entre os trens. "Tinha muita gente. Bombeiros, polícia. Muita gente ferida, o povo muito agoniado. Eu deixei de usar o metrô, uso ônibus agora, porque não posso pegar esta estação, é muito inseguro. Todo mundo da Vila dos Ferroviários já foi assaltado aqui", relata.
Privatização
O governo autorizou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a contratar estudos para estruturação da concessão do serviço de transporte ferroviário de passageiros no Grande Recife e outras quatro cidades atendidas pela CBTU. A resolução, de dezembro de 2019, prevê a contratação dos estudos no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Esta foi mais uma etapa do caminho para a concessão do serviço à iniciativa privada. A CBTU, além do Recife, atua também em Belo Horizonte, João Pessoa, Natal e Maceió.