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Eles são casados e vasculham lixo juntos. Conheça a história de Hamilton e Amara

O casal vive junto há 16 anos. Ele venceu o alcoolismo. Ela recuperou-se de um AVC

Wagner Sarmento
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Wagner Sarmento
Publicado em 26/03/2013 às 8:05
Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem
O casal vive junto há 16 anos. Ele venceu o alcoolismo. Ela recuperou-se de um AVC - FOTO: Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem
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Eles compartilham a casa, a vida e a carroça há 16 anos. Segundas, quartas e sextas, saem da comunidade Dancing Days, na Imbiribeira, Zona Sul do Recife, e caminham até Boa Viagem para vasculhar lixo em busca da sobrevivência. Com Amara Maria da Silva, 58 anos, ele venceu o alcoolismo, após nove meses de internamento. Com Hamilton Paz Cavalcanti, 52, ela se recuperou de um acidente vascular cerebral (AVC) que comprometeu o lado direito do corpo.

Hamilton viu a vida se despedaçar por causa da bebida. Filho mais velho de pai mestre de obras, teve uma infância abastada. Gaba-se que não faltava nada em casa. Acomodou-se com a vida fácil, largou os estudos na 8ª série e passou a viver de gafieiras e exageros alcoólicos. A morte do pai aprofundou o drama. Hamilton saiu de casa e, sem horizonte, passou a beber cada vez mais.

Tem cinco irmãos: uma professora, um administrador de empresas, um servidor público, um comerciante e um eletricista. Só ele vive da rua. A mãe mora num prédio de classe média em Setúbal, Boa Viagem. “Nunca pensei no rumo que minha vida tomaria. Mais novo, sempre achei que teria meu pai para sempre. Hoje, todos os meus irmãos têm carro. Eu tenho minha Hilux”, diz.

Hilux é o nome com o qual o catador batizou sua carroça, que tem um para-choque do modelo da Toyota afixado na traseira. O veículo é o único do Recife, assegura, com três pneus e um volante, o que ameniza o peso. “Tenho uma clavícula quebrada e um braço mais fino que o outro, por causa de um acidente de moto. Fiz essa engenhoca porque alivia um pouco para mim”, conta ele, que chega a carregar quase 200 quilos.

Hamilton é diferente como a carroça. Ostenta dois colares de prata, quatro pulseiras e um chamativo brinco de bailarina na orelha direita. O cabelo pintado de “cor de mel” reforça o estilo do catador mais excêntrico que a reportagem do JC encontrou. “Tenho que ficar bonito para ela”, gargalha.

Hamilton conheceu Amara num bar. Assim como ele, ela se excedia na bebida. Certo dia, vendo o marido no fundo do poço, a mulher bateu na porta da sogra pedindo ajuda para interná-lo. Conseguiu colocá-lo num centro de reabilitação. Deu resultado. Há quatro anos, o catador não sabe o que é álcool.

O pior momento da vida do casal, contudo, bem pior do que qualquer porre, foi quando Amara sofreu um AVC, um ano atrás. Passou 13 dias internada à beira da morte no Hospital da Restauração (HR), no Derby, e quase fica sem poder fazer uma cirurgia. Precisava da certidão de nascimento e o documento havia se perdido entre milhares de outros do cartório de Barreiros após a enchente que afetou sua cidade natal, na Mata Sul do Estado, em 2011. Hamilton peregrinou, insistiu, conseguiu uma cópia e viabilizou a operação da mulher.

“Enquanto ela ficou sem trabalhar, eu fiquei com ela. Foi um momento difícil, mas superamos. O sofrimento dela era meu sofrimento”, afirma Hamilton. “Se não fosse esse homem, eu não sei o que seria de mim. Ele me dava banho, trocava minha roupa, me dava de comer. Vivemos as coisas boas e ruins juntos. Deus botou ele no meu caminho”, agradece Amara.

O problema de saúde deixou marcas. Amara anda mancando e lhe falta força do lado direito do corpo. Não consegue mais pegar peso nem ajudar o marido a puxar a carroça nos cerca de 20 quilômetros que eles cumprem a cada jornada de trabalho. Mesmo com limitações, ela se recusa a ficar em casa. “Um não sai sem o outro. Somos a corda e a caçamba”, frisa a mulher, que toma remédio para a pressão e o colesterol altos. Amara fica incumbida de selecionar as garrafas plásticas e colocá-las na carroça, enquanto Hamilton faz o serviço pesado. “O piloto sou eu. Ela só vive de regalia. Ponho ela dentro da Hilux e seguimos nosso caminho”, brinca.

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