Filhos do lixo

Uma mulher que achou a aids e o crack no lixo

É mais uma reportagem da série sobre os catadores do Recife

Wagner Sarmento
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Wagner Sarmento
Publicado em 25/03/2013 às 17:28
Bobby Fabisak/JC Imagem
É mais uma reportagem da série sobre os catadores do Recife - FOTO: Bobby Fabisak/JC Imagem
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No lixo ela achou papelão, latinha, plástico, crack e HIV. Botou tudo na carroça e foi tocar a vida assim mesmo. Engravidou 12 vezes, abortou quatro após ser vítima de espancamentos na rua, deu quatro filhos para adoção e cria outros quatro. Hoje, três décadas de trabalho como catadora, a mulher de 42 anos já não tem forças. Consumida pela doença e pelo vício, anda bem menos que antes e aprendeu a não catar mais tudo que vê pela frente.

“Nunca tive vergonha de puxar carroça e de viver catando lixo”, garante. Preconiza alumínio e plástico, que são mais rentáveis na reciclagem. O quilo do primeiro vale de R$ 1,50 a R$ 2 e o segundo pode custar até R$ 0,90. O papelão, ela dispensa: “Não gosto. Só pagam R$ 0,05 pelo quilo. Vale o esforço não”. A mulher dá sorte é quando encontra cobre no meio do lixo. No mundo dos catadores, o metal avermelhado vale ouro: R$ 10.

Prefere falar sob anonimato, acuada pelo estigma que carrega há cerca de uma década. Pegou o vírus da aids com o homem com quem viveu por 17 anos. No ano passado, a doença se manifestou e ela passou a tomar o coquetel fornecido pelo SUS.

A mulher já chegou a catar alimento no lixo. Abandonou o costume após comer carne estragada e quase morrer com uma infecção intestinal agravada pela doença. “Fiquei seis dias internada para nunca mais. Achei que fosse morrer”, relembra.

Não se relaciona com homem desde que se descobriu portadora de HIV. “Tenho vergonha e não desejo esse mal a ninguém. Fui viver para um homem e estraguei minha vida. Agora vivo para meus filhos”, salienta.

A doença passou a castigar ainda mais quando a catadora conheceu o crack. A droga corroeu até mais que a aids. Furtou a saúde, a paz, o pouco que ela conseguia juntar puxando carroça. Contraiu dívidas e foi ameaçada de morte. “Vendi uma casa no Curado 5 e outra na Roda de Fogo para poder sustentar o vício e não morrer na mão de traficante”, diz. “É assim mesmo, morar na rua é morar no inferno”, acrescenta.

Aos filhos, a mãe ensina: é o exemplo a não ser seguido. Destroçada pelo que a rua oferta de pior, ela só se permite um sonho: ver os filhos “virarem gente”. “Não quero filho meu catando lixo e usando droga. Moro com quatro e todos estudam”, afirma.

A caçula, de 11 anos, sonha ser aeromoça. Quando vê a mãe vasculhando lixo, passa longe, envergonhada. Os R$ 196 do Bolsa Família ajudam a manter os filhos na escola, sem que precisem trabalhar.

Magra e envelhecida, ela já se internou quatro vezes para tentar abandonar o crack. Reincidiu. Mas quer usar as forças que lhe restam para largar de vez o vício. Viver da rua, como catadora, mas sabendo que nem tudo que vem do lixo se reaproveita.

 

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