Um dos segredos para o sucesso do Programa Mais Médicos em Pernambuco bem que poderia ser resumido numa palavra em espanhol: “cariño”. Quem explica, em português simples e direto, é a dona de casa Priscila Maria da Silva, 29 anos, moradora da comunidade Bola na Rede, no bairro da Guabiraba, Zona Norte do Recife: “O trabalho dela é muito bom. Ela demonstra ter carinho pela pessoa. Se fosse para trocar, eu não queria.” A conversa com a reportagem ocorreu enquanto Priscila aguardava uma consulta com a doutora Maria Cristina de Sierra Neves, médica espanhola que, há um ano e nove meses, atende de segunda a quinta-feira, pela manhã e à tarde, no Posto de Saúde da Família (PSF) da comunidade. Falante e visivelmente entusiasmada pelo trabalho, doutora Cristina se sente em casa. A barreira da língua já não atrapalha mais. “Só um ou outro paciente ainda precisa da gente para traduzir o que ela fala”, confirma a agente de saúde Cláudia Leite. A comunicação, como bem disse a dona de casa, se dá pelo que as palavras nem sempre dão conta. “Ela olha pra gente. Vê o paciente.”
É essa forma carinhosa de atender à população, em sua maioria carente, que tem feito a diferença na relação entre médicos e comunidade. “Elas trabalham com amor, com zelo. Estão realmente preocupadas com o paciente. Fazem uma investigação profunda, conversam sem pressa”, diz a agente de saúde Irene Aniceto de Souza, referindo-se às médicas cubanas Nuria Julia Tamayo Vicente e Neida Izabel Fernandes Gonzalez, que atendem no posto de saúde do bairro de Santo Aleixo, em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife. A relação mais próxima com o paciente soa muito natural para a doutora Nuria Julia. “Estamos acostumados a tratar com o povo. Precisamos saber ouvir, dar atenção é tão importante quanto o diagnóstico. Não há comprimido ou tratamento mágico, tem que ser um acompanhamento integral”, ensina a médica, ao final de mais um dia de trabalho, encerrado após 27 consultas.
O sentimento de cuidado tão ressaltado por pacientes e profissionais de saúde em Pernambuco é uma percepção nacional. Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Minas Gerais em 699 municípios brasileiros revelou que 87% dos entrevistados disseram que a atenção do médico durante a consulta melhorou depois da criação do programa. Comparando com o período anterior à chegada do Mais Médicos, 82% apontaram que as consultas passaram a resolver de uma forma melhor os seus problemas de saúde e 81% acreditam que o profissional conhece mais os problemas de saúde do que os médicos anteriores. Na média, a população deu nota 9 ao programa. Foram ouvidas 14 mil pessoas entre novembro e dezembro de 2014.
Implantado em meio a muitas polêmicas e resistências, o programa completou dois anos em julho passado. Em Pernambuco, são 973 profissionais do Mais Médicos atuando em 157 municípios e um distrito sanitário especial indígena. Cerca de 3,3 milhões de pessoas são beneficiadas no Estado. Estão sendo investidos, de acordo com o Ministério da Saúde, R$ 267,6 milhões na construção, reforma e ampliação de unidades básicas de saúde em Pernambuco. Dados nacionais da Rede Observatório do Programa Mais Médicos (14 instituições, incluindo 11 universidades) mostram que houve aumento de 33% no número de consultas realizadas nos municípios que participam do Mais Médicos, contra apenas 15% observado em cidades que não aderiram à ação. Em todo o País, existem 18.240 médicos atuando pelo Mais Médicos em 4.058 municípios, beneficiando 63 milhões de pessoas.
De acordo com o estudo da rede, a quantidade de internações em hospitais apresentou redução, o que aponta para um grau maior da eficiência na atenção básica. Em outras palavras: muitos pacientes conseguiram resolver seus problemas de saúde na unidade básica sem necessidade de ir a um hospital. Nos municípios contemplados, entre 2013 e 2014, o número de internações caiu 4% a mais que nas demais cidades. Esse índice chegou a 8,9% nos municípios em que o Saúde da Família, junto com o Mais Médicos, cobre mais de 36% da população. A expectativa, segundo o Ministério da Saúde, é a de que mais de 91 mil brasileiros deixem de ser internados em 2015.
A redução de encaminhamentos desnecessários às grandes unidades hospitalares é, na avaliação da doutora Cristina Sierra, um dos maiores méritos do programa. “Um ponto fundamental do Mais Médicos é garantir o acesso à saúde perto da comunidade. Isso é fantástico porque permite que a doença seja diagnosticada o quanto antes. Cerca de 80% dos problemas identificados nos pacientes podem ser resolvidos no atendimento primário”, atesta, lembrando que, nesses quase dois anos atuando em Bola na Rede já conseguiu identificar muitos casos de tuberculose, diabetes e hipertensão na comunidade. “Prevenção é a chave”, diz a espanhola, entregando a sua fórmula para fazer tanto sucesso com os pacientes: conhecer muito bem de doença, gostar do trabalho e escutar os pacientes. “Se não escutar não tem como fazer um bom diagnóstico”, ensina.