agreste

Matéria do JC de 2000 já citava conflito entre Zé Maria e os Martins

Principal suspeito de mandar matar promotor que era noivo de Mysheva Martins disputava domínio da região de Águas Belas com familiares da advogada

Do JC Online
Cadastrado por
Do JC Online
Publicado em 16/10/2013 às 21:58
Leitura:

Em junho de 2000, o Jornal do Commercio já trazia em suas páginas os conflitos na região da cidade de Itaíba, no Agreste pernambucano. A reportagem entrevistou Raimundo Pereira, considerado o último dos Pereira e que havia fugido da cidade com medo de ser executado.

Na época, ele já citava o nome de José Maria Pedro Rosendo, principal suspeito de ter mandado matar o promotor Thiago Faria Soares, crime que ocorreu na última segunda-feira (14). Ele seria líder de um grupo de pistoleiros.

LEIA MAIS NA COLUNA JC NAS RUAS, DE JORGE CAVALCANTI

De acordo com Raimundo Pereira, a região era disputada por "três grupos de pistolagem", com assaltos a bancos e cerca de 150 bandidos. O maior deles seria comandado por Claudiano Martins, da família de Mysheva Martins, noiva do promotor assassinado.

Confira entrevista completa abaixo:

“Três grupos estão à frente da pistolagem no Agreste do Estado”

São três grupos de pistolagem e assaltos a bancos e carros-fortes, e cerca de 150 bandidos. O maior grupo é o do Claudiano Martins, atual prefeito de Itaíba (PMDB), irmão de Numeriano Martins – que seria o chefe operacional das ações – e candidato a prefeito de Águas Belas pelo PPB. O outro é o do Hildebrando Lima, ex-prefeito de Águas Belas, com prisão decretada pela Justiça de Alagoas e hoje foragido, e o terceiro seria comandado por José Maria Pedro Rosendo, o Zé Maria de Mané Pedro, também candidato a prefeito de Águas Belas (PMDB). As acusações são feitas por Raimundo Pereira, conhecido como “o último dos Pereira”, de Itaíba, que fugiu do município para não morrer. Pereira – que perdeu dois irmãos e mais 13 primos e sobrinhos – revela que a briga entre Hildebrando e Zé Maria é “uma farsa”. Sob a proteção da CPI da Pistolagem, Pereira afirma que os grupos contam com a cobertura política de dois deputados. Em entrevista ao repórter Ayrton Maciel, ele narra o drama da região do “Triângulo da Pistolagem”, no Agreste Meridional, e a saga da família.

JORNAL DO COMMERCIO – Quais os crimes que você diz terem sidos cometidos pelos grupos de Claudiano e Numeriano Martins, Hildebrando Lima e Zé Maria de Mané Pedro?
RAIMUNDO PEREIRA – Zé Maria tem um grupo de pistoleiros, Hildebrando tem outro, e Claudiano tem outro com o Numeriano. Na hora em que Numeriano ganhar a prefeitura (Águas Belas), vai comandar outro. O que eles fazem: juntam dez bandidos e os caras assaltam um banco, e eles ficam em casa. A metade fica para os bandidos, a outra fica pra eles. Os bandidos roubam uma carga, chegam com ela escondida em Itaíba, e Claudiano e Numeriano apuram a mercadoria. Dão uma parte aos bandidos e ficam com três quartos. Eles também dão segurança de polícia para que outros bandidos não cheguem pra mexer com os deles. E tão ‘enricando’. Numeriano, Claudiano, Zé Maria e Hildebrando, os recursos deles são assim. Eu conheci Claudiano com 13 anos, e ele não podia comprar uma bicicleta. Hoje, os cinco irmãos são todos donos de fazenda.

JC – Você diz que eles ficaram ricos com o crime?
Pereira – Eles são cobras criadas. O dinheiro é conseguido com assalto a banco, roubo de carga... Zé Maria, há três anos, desapareceu de Águas Belas (no depoimento à CPI da Pistolagem, em Caruaru, Zé Maria disse que viveu “uns tempos” em Alagoas). Ele não tinha uma camisa pra vestir, e voltou um homem rico, enfrentando uma política (é candidato a prefeito do município).

JC – Quantos integrantes têm os três grupos?
Pereira – Eles comandam uma média de 150 pistoleiros. Quem tem o grupo maior é Claudiano Martins. Cá’gente (sic) sabe, eles só assaltam em Pernambuco. Lá fora, a gente não sabe. Carros-fortes são assaltados sempre lá. Em média dez a quinze (por ano). Não sei se são sempre eles, mas alguns assaltos eles (integrantes dos grupos) são flagrados nas estradas. Mas assaltam também comerciantes... Tem uma serra a cinco quilômetros de Itaíba, ligando a Tupanatinga, onde acontece mais de cem assaltos por ano a carro-forte, a carga e a comerciante. Até pra tomar mixaria. Tudo encapuzado. Assaltam e entram no mato.

JC – Como é que se sabe, então, quem é da região?
Pereira – Alguns são reconhecidos pelo fato de serem nascidos e criados lá... A turma vê e já conhece o corpo, o andar... Lá tem muita gente que dá apoio a eles. No Sítio Fava, em Itaíba, tem um pessoal que dá muita cobertura a eles. Alguns carros roubados são escondidos lá. Pertence a Paulo de George. O velho e dois dos filhos são direitos, mas tem um que é pistoleiro deles. E o Paulo dá cobertura.

JC – Em Caruaru, na acareação com o Zé Maria, você ficou na dúvida se era o mesmo...
Pereira – É aquele mesmo. Eu já tinha visto ele, não sabia era dizer: ‘esse é o Zé Maria’. No dia do tiroteio da casa do Mariano (Pereira), eu vi uma pessoa que parecia muito com Zé Maria. Mariano reconheceu ele...

JC – O que é candidato a prefeito em Águas Belas?
Pereira – É. É Zé Maria de Mané Pedro. Olhe, Hildebrando (Lima, foragido) tem uma filha casada com um filho de Jaci (Pereira, primo de Raimundo). Agora, ele é bandido (Hildebrando), é coiteiro de pistoleiro. Se Hildebrando ganhar um dia a política (prefeitura), fica máfia em Itaíba; se Zé Maria ganhar, fica máfia em Águas Belas; se Numeriano ganhar, fica a mesma coisa em Águas Belas.

JC – Quem mais é contra quem na região?
Pereira – Num (sic) tem ninguém contra ninguém. Claudiano, Hildebrando e Numeriano conversam na mesa, fazem o acordo bonitinho e aí mostram para a população que estão encrencados. Um pega bandido e joga na mão do outro. Zé Maria joga nas mão de Numeriano para ele matar, Numeriano pega bandidos dele e joga na de Zé Maria; Zé Maria joga bandidos na mão de Hildebrando pra ele matar. É pra fazer a farsa. No final, um vai ganhar a eleição, e os outros ficam fazendo que estão encrencado. Quando o Mariano (Pereira) disputou com o Eraldo Barbosa (candidato de Claudiano), Mariano disse que tinha uma ‘panela’ na prefeitura e que se ganhasse ia quebrar ela. Pra nós, ele dizia que tinha um buraco na prefeitura.

JC – Então, a inimizade entre Hildebrando e Zé Maria não é pra valer?
Pereira – É farsa. Numeriano Martins e Zé Maria de Mané Pedro, desde a década 80, assaltam bancos juntos. São unidos como dois irmãos. Teve até época que Hildebrando tava contra Numeriano, e como é que agora Numeriano e Hidelbrando vão estar contra Zé Maria. Ou eles estão unidos, os três, pra onde o que ganhar (em Águas Belas) ficar tudo em casa, ou tem esquema armado pra ganhar (Zé Maria ou Numeriano) e matarem o Hildebrando.

JC – Existem cemitérios clandestinos na região?
Pereira – Desde que eles começaram a cometir crimes na região, que o povo comenta que eles enterram gente nas fazendas. Eu nunca vi, mas a população comenta que tem cemitério clandestino na Serra dos Cavalos, na do Facão e na Vargem da Garrota, os cantos mais escondidos. Na Garrota, tem desmache de carro. A polícia já matou bandido deles lá. Já matou um primo do Claudiano, filho de Quinca Boi...

JC – Denúncias feitas à CPI da Pistolagem dizem que essas pessoas procuram a política para ter um lastro que encubra as suas atividades criminosas. Eles têm apoio de algum político?
Pereira – Tem dois deputados que se envolvem, assim: dão cobertura a eles, tudo o que precisam, quando a barra pesa pra eles. É Inocêncio Oliveira (PFL) e José Aglailson (PSB). Eles ajudam, talvez pelo fato de arrumarem votos. Aí, eles facilitam a soltura de um, evitam que um policiamento forte entre até lá. O envolvimento é quando precisam de uma ajuda, no Recife. Aí eles resolvem. Os Martins têm poder lá, são prefeitos e fazendeiros, mas não têm poder no mundo todo.

JC – Você revelou à CPI ter perdido 15 parentes, vítimas do grupo dos Martins...
Pereira – Perdi meus irmãos Reginaldo (1997) e Isnar (1999) Pereira, os primos Mariano (1996), Adão Cassiano (1995), Pingüim (1992), Antônio Pinga (1993), Givaldo (1992), Arnóbio (1995) e Luiz Marinho (1998), e os sobrinhos Rinaldo (1997), Zito e João (1999), e Anélio e Salino (1998). Tem ainda o Eié (1990), mas esse a gente tem dúvida se foram os Martins. Em todos os outros assassinatos o Numeriano estava.

JC – Por que esse ódio dos Martins contra os Pereira?
Pereira – Eles querem jogar três mortes que aconteceram num mesmo dia, em abril de 1992, feitas por um primo meu, Wellington, que é Pereira e Malta, pra nós. Eles procuram envolver essas mortes como nossas, mas não tem nada a ver com os Martins. Wellington é neto de Zé Migué (sic) e sobrinho de Zaidan, da família Malta. Quando começou a política, com Mariano Pereira candidato, em Itaíba, Zaidan perseguia Wellington pra matar. Mariano gostava muito de Wellington e dizia pra ele não confiar muito em Zaidan. Um dia, um filho e um neto de Zaidan, e mais dois pistoleiros, foram com Wellington e Hélio, primo meu, pra uma festa em Tupanatinga. Lá, bêbados, alguém disse a Wellington que o pessoal tinha ido matá-lo a mando de Zaidan. Na volta, alguém pediu pra parar o carro e ir urinar. Aí, começou o tiroteio, morrendo o filho e o neto de Zaidan e um pistoleiro. Wellington levou os corpos até o sítio de Mariano, que mandou ele se retirar. Depois, espalharam que Mariano tava envolvido com as mortes para ele perder as eleições.

JC – Foi por conta disso o ataque ao sítio de Mariano?
Pereira – Faltando três dias para a eleição, depois de um comício de noite, quando amanheceu três carros e uns 13 homens chegaram. Tavam com coletes da Polícia Civil, cercaram a casa e disseram que queriam falar com Mariano. Ele contava pra gente que quando saiu reconheceu logo Zé Maria de Mané Pedro. Aí, ele viu que não era polícia. Perguntaram por Wellington, e Mariano disse que já ‘tinha corrido’ com ele. Começou o tiroteio, e Mariano levou um tiro no ombro. O pessoal da casa reagiu e eles fugiram. Mariano não fez o comício de encerramento e Eraldo ganhou. Aí, ele vendeu o Sítio Broca, o gado, e foi pra São Paulo.

JC – Como foi a morte do Mariano?
Pereira – Ele falava em voltar pra se candidatar de novo, mas vivia ameaçado. Lá em São Paulo, o pessoal viu carros estranhos passando em frente à casa. Eram oito pra nove da noite. Mariano foi atender um telefonema na casa da vizinha. Na volta, recebeu os tiros. Teve uma pessoa que viu os assassinos: Numeriano, Heliano, Lula, Eraldo, Fernando Ilia e outros que não foram reconhecidos. Essa pessoa saiu de Itaíba com 35 anos. Conhece todos eles de berço. Muitos Pereira ainda não sabiam da morte de Mariano, e já começou a chegar polícia em Itaíba.

JC – E por que os outros Pereira morreram em seguida?
Pereira – Eles achavam que a família Pereira ia vingar a morte de Mariano. Mas nós nunca provocamos os Martins, nem ninguém falou nisso. A gente se dava, e ainda nos damos, com a maioria da família deles. Hoje, os Pereira tão cada um por um canto. Abandonamos nossos sítios pra fugir. Se esses cinco irmãos saírem de Itaíba, Numeriano, Claudiano, Heliano, Otaviano e Oleriano, e alguns pistoleiros deles, a gente volta. Os Pereira só não chegam na casa de alguns dos Martins e não come, não bebe, num drome (sic) e num palestra, porque eles vêm e matam.

JC – Como foi o tiroteio em Tupanatinga, quando dizem que Numeriano saiu ferido?
Pereira – Eles atacaram a casa e mataram dois sobrinhos meus, Zito e João. Depois, tocaram fogo nela. Saiu ferido Numeriano e também um cunhado dele ou de Claudiano. Ele sumiu da cidade, e os Martins dizem que ele fugiu, mas o povo conta que ele morreu. Numeriano foi se tratar em outro canto pra que ninguém identificasse, porque se não iam saber onde foi, como foi, quem foi.

JC – Qual o comportamento da polícia na região?
Pereira – Ela faz o que eles querem. Os inquéritos são do jeito que eles querem. Os Martins andam com cinco a seis soldados e oito a dez pistoleiros. Eles pedem segurança, alegando sofrerem ameaças. Quando os policiais se tornam fixos, viram também integrantes dos seus grupos.

Últimas notícias