Não se combate violência sem prevenção. E, se é nas cidades onde as pessoas moram e os homicídios acontecem, as ações de enfrentamento à violência exigem o envolvimento direto das prefeituras. Na teoria, todo mundo concorda. Mas o consenso está longe de se traduzir na prática. Nem no melhor momento do Pacto pela Vida, no sempre lembrado ano de 2013, a conversa avançou. Naquela época, o então governador Eduardo Campos até que tentou reunir os prefeitos em torno do tema. Um ou outro chegou junto. Agora, um novo chamado está sendo feito. No esforço de cravar uma redução sustentável e duradoura do número de assassinatos em Pernambuco, a Secretaria de Defesa Social (SDS) quer dividir a tarefa com as prefeituras. Envolver efetivamente os municípios na problemática. Sabe que a repressão tem um teto. E vai focar na Região Metropolitana do Recife (RMR) um plano de ação que servirá de piloto para o resto do Estado. A escolha é estratégica. Das 11 cidades que concentram quase a metade dos homicídios de Pernambuco, oito estão na RMR.
O primeiro passo foi dado. O secretário de Defesa Social, Antônio de Pádua, convocou os secretários municipais de segurança do Grande Recife para uma reunião. Das 15 cidades que integram a região, dez mandaram seus representantes. O encontro aconteceu no início deste mês. “A omissão do poder público municipal na área de segurança sempre foi gritante. Mas a conversa foi promissora. Os secretários que participaram entendem do riscado. Acho que a cobrança está batendo na porta de todos os prefeitos”, contou o secretário de Segurança Urbana do Recife, Murilo Cavalcanti.
Um grupo de trabalho da Secretaria de Planejamento que monitora, dentro da SDS, os resultados do Pacto pela Vida começou a visitar as prefeituras do Grande Recife para fazer um diagnóstico do que as cidades já possuem de estrutura de gestão na área, se há ações e equipamentos públicos focados na prevenção, quais as demandas prioritárias, enfim, o tamanho do problema e o que já existe de enfrentamento em cada município. A SDS garante que até o final de junho o mapeamento está pronto.
Noutra frente, um levantamento detalhado do comportamento territorial do Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs) em cada cidade apontará as áreas prioritárias de atuação da polícia em conjunto com as prefeituras. Os bairros que concentram o maior número de homicídios serão os alvos iniciais. Não só o bairro em si. Mas toda a área no entorno. No Recife, por exemplo, nos três primeiros meses deste ano, o bairro da Várzea foi o recordista de assassinatos, com oito mortes. No caso da capital, a atuação territorial será feita, com base nas chamadas áreas de segurança integrada, as AIS. Duas serão o foco inicial: a AIS 4, que, além da Várzea, inclui Curado, Jardim São Paulo, Torrões e Afogados; e a AIS 5, formada pelos bairros de Apipucos, Guabiraba, Brejo da Guabiraba, Passarinho, Dois Unidos, Vasco da Gama e Alto do Mandu.
Com o mapeamento criminal nas mãos, o secretário Antônio de Pádua diz que a atuação policial vai se concentrar nos microdados. “Não só o dos homicídios, mas as tentativas de assassinato, o índice de resolução de inquéritos, os locais de tráfico de drogas, uma varredura completa da criminalidade em cada região”, explica. Ciente das tentativas frustradas de convencer os prefeitos de sua responsabilidade no enfrentamento da violência, o secretário lembra que, em todos os lugares do mundo, onde a redução da criminalidade se consolidou de forma estruturada e permanente, o envolvimento direto das prefeituras foi decisivo. “O Estado sozinho não vai poder conter essa situação de violência. As prefeituras têm que olhar para segurança e atuar junto, principalmente no viés preventivo. O conceito é de transversalidade, com a participação de outras secretarias estaduais, como a de Prevenção às drogas e à violência e a de Educação, no planejamento e execução das ações. É o conjunto dos resultados que vai garantir a redução a longo prazo”, defende Pádua.
INICIATIVAS
Não precisa nem ir muito longe para descobrir que, quando a prefeitura se engaja, a guerra contra a violência colhe resultados positivos concretos. No Recife, a aposta na instalação dos Centros Comunitários da Paz (Compaz) impactou diretamente nos indicadores de homicídios do entorno onde os equipamentos estão instalados. As duas unidades, no Alto de Santa Terezinha, na Zona Norte, e no Cordeiro, na Zona Oeste, ajudaram a reduzir em mais de 20% o número de assassinados nos bairros vizinhos. Cerca de 32 mil pessoas estão cadastradas para atendimento nos dois centros.
Carlos Eduardo Batista, 21 anos, resume bem o que o Compaz representa em sua vida de jovem da periferia. “É um ponto de equilíbrio. Um lugar de paz, onde eu posso encontrar meus amigos para praticar esportes e pensar no futuro.” Ele e o colega Emerson dos Reis Silva, também com 21 anos, fazem aulas de futsal, uma das dezenas de atividades oferecidas na unidade do Cordeiro. Foi no Compaz que Emerson descobriu o amor pelos livros. “Nas comunidades, a gente vive perto do caos, da ameaça do mal, da influência do tráfico. Aqui esse caos não entra.”
Ouvir alunos e professores da Escola Estadual Arnaldo Carneiro Leão falarem com orgulho do local onde moram, estudam e trabalham é coisa recente. Até 2017, o bairro de Maranguape I, em Paulista, era recordista de homicídios na cidade. Um pacote robusto de ações preventivas, desenvolvidas pela prefeitura em parceria com a polícia, virou o jogo a favor da população. “Quando a prefeitura começou a enxergar essa parceria com o Estado dentro de Maranguape I todos os indicadores começaram a cair, não só os homicídios. Essa visão de prevenção não é um caminho tão rápido, mas é o mais duradouro”, afirma Mozart Machado, educador da escola estadual. A unidade de ensino serviu como base de apoio e laboratório para muitas das ações implantadas no bairro.
Em Jaboatão dos Guararapes, o aumento na sensação de segurança veio com ruas e avenidas mais iluminadas. Desde o início do ano, a prefeitura já instalou cerca de dois mil pontos de led em mais mais de 100 vias da cidade. A promessa é chegar ao final do ano com seis mil pontos funcionando. Cuidar da iluminação trouxe a população de volta à rua. Na Avenida Ulisses Montarroyos, em Piedade, a escuridão deu lugar a uma via que agora serve como pista de corrida. “É muito mais tranquilo para correr, melhorou a nossa visão para ver o que acontece no entorno. Agora tem que levar para outros lugares, principalmente para as ruas da periferia, para que mais gente possa ser beneficiada”, diz o policial militar William Expedito, que pratica exercícios na avenida. Não só a iluminação, mas uma série de outras intervenções. Iniciativas pontuais até existem. O que falta é escala.